A pendenga do homeschooling
Atualmente, mesmo ainda não tendo sido legalizado, o ensino domiciliar atende a cerca de 11 mil famílias, que educam seus filhos fora do ambiente escolar, segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned)
O termo homeschooling significa educação domiciliar e refere-se ao direito de as famílias instruírem seus filhos em casa, em vez de matriculá-los na escola. Tal instrução recai sobre os próprios familiares do aluno, geralmente os pais ou grupos de pais, ou depende da contratação de professores particulares, chamados de tutores.
No Brasil, o debate sobre tal direito não é de agora - arrasta-se há quase três décadas. Todavia, ganhou dimensão no governo Bolsonaro, que o considera uma de suas principais bandeiras na área da educação. Atualmente, mesmo ainda não tendo sido legalizado, o ensino domiciliar atende a cerca de 11 mil famílias, que educam seus filhos fora do ambiente escolar, segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned).
Em decisão de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que o homeschooling não é inconstitucional, mas precisa de regulamentação do Congresso Nacional. Assim, o Legislativo começou a discutir o tema, objeto de uma grande polarização. De um lado estão os apoiadores do homeschooling, que alegam que os pais devem ter o direito de escolher como educar seus filhos. Do outro, os educadores e pesquisadores preocupados com as consequências pedagógicas e sociais de manter um estudante fora da escola.
Há dois Projetos de Lei (PL) tramitando no Legislativo. Um deles é o PL nº 2.401/2019, cuja relatora é a deputada Luísa Canziani, que aponta corretamente alguns cuidados para o efetivo uso dessa modalidade, propondo, por exemplo, que os alunos em homeschooling devem estar associados a uma escola regular, que fará o monitoramento da aprendizagem. Os apoiadores do homeschooling criticam a proposta e entendem que isso desconfigura o conceito de ensino domiciliar.
O outro, de número 3.262/2019, apresentado pelas deputadas bolsonaristas Bia Kicis, Caroline de Toni e Chris Tonietto, altera o Decreto-Lei nº 2.848/1940 do Código Penal, a fim de prever que a educação domiciliar não configure crime de abandono intelectual, batendo de frente com o artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que torna obrigação dos pais ou responsáveis matricular os filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Minha opinião acompanha a visão da presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães de Castro, ao afirmar que a regulamentação do ensino domiciliar compromete a convivência com diferentes grupos sociais, parte essencial dos processos educativo e de humanização, pelos quais se estabelecem relações de empatia, de solidariedade e de cidadania, essenciais para o desenvolvimento social, afetivo, psíquico e cognitivo de crianças e jovens.
Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte. Enquanto isso, milhões de crianças continuam sem estudar por conta da pandemia, colocando seriamente em risco seu futuro.
Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP - Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC