Opinião

O essencial (in)visível ao Supremo

No consumo, sem poder individualizar cada pessoa, a seletividade permite distinguir entre mercadorias e produtos pelo critério da essencialidade, Porém, quem define o grau de essencialidade? Pela lógica, seria tarefa do Legislativo. Leia a opinião de Paulo Rosenblatt

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Paulo Rosenblatt

Publicado em 28/06/2021 às 7:04
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A Constituição vedou o tratamento diferenciado entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica para preservar a igualdade tributária. Apenas pela capacidade contributiva se pode diferenciá-los, como na tabela progressiva do imposto de renda da pessoa física. No consumo, sem poder individualizar cada pessoa, a seletividade permite distinguir entre mercadorias e produtos pelo critério da essencialidade: alíquota menor para os itens essenciais, consumidos por todos, e maior para os supérfluos ou artigos de luxo.

Porém, quem define o grau de essencialidade? Pela lógica, seria tarefa do Legislativo.

O STF, no entanto, iniciou o julgamento de recurso que discute se energia elétrica e serviços de telecomunicações seriam essenciais a exigir alíquota menor de ICMS. As empresas recorrentes pedem que, em geral, de 25%, elas sejam reduzidas para 12%. Dois ministros entenderam que o adequado seria de 17%, outro de 12% só para telecomunicações, e um quarto que se reduzam para ambos, mas só a partir do próximo ano. Ainda faltam os demais votos.

O fato é que este é um dado subjetivo, próprio das escolhas políticas. Não pretendo diminuir o papel do STF na garantia da justiça, nem discutir se é ou não adequado o patamar atual da tributação sobre a eletricidade e a telefonia, tanto estadual, como das contribuições federais.

O legislador constituinte se preocupou com a energia elétrica e a comunicação por seus reflexos diretos na economia. Por isso, reservou a exclusiva função de tributar o seu consumo aos estados, que neles têm uma fonte essencial de arrecadação e de difícil substituição.

No livro "Factfulness: O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos", Hans Rosling diz que a preocupação com a desigualdade pode conduzir à tentativa simplista de tudo resolver com soluções fáceis, e não por estratégias baseadas na análise de fatos e números.

No presente caso, uma redução abrupta de alíquotas poderá ter um impacto assustador para os estados, além de retirar deles o poder de fixar as alíquotas dos próprios tributos. E mais: o Judiciário passará a definir as alíquotas incidentes em todas as mercadorias sob a sua lente do razoável, caso a caso? Se for assim, nós, pernambucanos, pediremos seja reconhecida a essencialidade do bolo de rolo, da cartola e da carne de sol - sem esquecer da cachaça e da cerveja, que ninguém é de ferro!

Paulo Rosenblatt é procurador do Estado de Pernambuco, professor da Unicap e advogado.

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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