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Padre António Vieira e o sermão do bom ladrão

Em 1.655, o padre António Vieira proferiu este Sermão na Igreja da Misericórdia (Conceição Velha, Lisboa), perante D. João IV e sua corte. Advertindo, o Rei, sobre o pecado da corrupção pela cumplicidade

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José Paulo Cavalcanti Filho

Publicado em 09/07/2021 às 6:00
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Em 1.655, o padre António Vieira proferiu este Sermão na Igreja da Misericórdia (Conceição Velha, Lisboa), perante D. João IV e sua corte. Advertindo, o Rei, sobre o pecado da corrupção pela cumplicidade. E "Bem quisera eu que o que hoje determino pregar chegara a todos os reis", explicou depois. Como tem a ver com o Brasil em que, pelas últimas decisões do Supremo, a corrupção parece valer a pena, lembro alguns trechos.

"Antigamente os que assistiam ao lado dos príncipes chamavam-se laterones. E depois, corrompendo-se este vocábulo, como afirma Marco Varro, chamaram-se latrones. E que seria se assim como se corrompeu o vocábulo, se corrompessem também os que o mesmo vocábulo significa? O que só digo e sei, por teologia certa, é que em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos príncipes de Jerusalém, os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por quê? São companheiros dos ladrões porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões porque os consentem; são companheiros dos ladrões porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo.

"Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera. Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles que roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam". E restam absolvidos, nos tribunais, talvez pudesse Vieira concluir. A vingança é que, assim disse mais tarde, "Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis". Ao menos isso.

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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