Opinião

Uma nova facada?

"O inquestionável valor-notícia da saúde de um presidente virou a pauta e se mostrou bastante conveniente a um governante mal avaliado pelos eleitores e acossado por uma CPI". Leia a opinião de Juliano Domingues

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JULIANO DOMINGUES

Publicado em 18/07/2021 às 10:53
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A mais recente hospitalização de Bolsonaro levanta uma pergunta incontornável: o quanto esse episódio
pode impactar a percepção do eleitorado a respeito do presidente e do seu governo? Especulações nesse sentido nos remetem necessariamente à facada, em 2018, e a uma lógica sequencial semelhante às narrativas audiovisuais.

A construção de sentido a partir do atentado em Juiz de Fora ajuda a compreender o delineamento da estratégia discursiva daquela campanha e do momento atual. Da camisa verde-amarela manchada de sangue à acusação de conspiração homicida por partidos de oposição, buscou-se atribuir ao candidato uma aura do mártir ferido por se mostrar irredutível na defesa daqueles que seriam nobres valores. A imagem do paciente convalescente era, ainda, um convite à compaixão por parte do eleitorado e, ao mesmo tempo, uma proteção ao ataque dos adversários.

Tem-se, agora, uma “sequel” dessa história. No audiovisual, é assim que se chama uma produção que prolonga a narrativa de um filme em um episódio seguinte, por meio de um enredo de continuidade que mantém os personagens principais, mas confere nova dimensão à trama original. O soluço, pelo viés pitoresco e por acometer uma autoridade, estava vocacionado a capturar as redes sociais digitais. O inquestionável valor-notícia da saúde de um presidente virou a pauta e se mostrou bastante conveniente a um governante mal avaliado pelos eleitores e acossado por uma CPI.

A associação entre esse internamento e a facada conferiu legitimidade médica ao roteiro, reforçado emotivamente com a foto do paciente à espera da intervenção, mas que não esquece seus adversários: “Mais um desafio, consequência da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado ao PSol, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros que queriam mudanças para o Brasil.”, escreveu em mensagem. Coincidência ou não, pesquisa EXAME/IDEIA divulgada no dia 16 detectou  queda de 57% para 51% na avaliação negativa do governo.

Bolsonaro segue a lógica da campanha permanente – daí a sensação de estarmos ainda em 2018. Assim, a atual intercorrência é útil politicamente para ele, mas limitada em sua capacidade de reverter o cenário desfavorável ao seu governo. A facada original influenciou percepções, mas não foi decisiva; a “sequel”
tem tudo para influenciar ainda menos. Há 537 mil motivos para isso.

Juliano Domingues, professor, é coordenador da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Unicap

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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