O preço de batizar locais públicos com nomes "personalizados"
"O nome do auditório do Centro de Educação da UFPE chama-se Carlos Maciel e há, neste momento, um movimento para mudá-lo"
Quando o Marquês de Condorcet (1743-1794) propôs a separação entre "Instrução pública" e "Educação nacional", ele queria que, na primeira, adquiríssemos os instrumentos da cidadania (ler, escrever e contar. O tríptico republicano da época) e na segunda aprendêssemos a participar de uma "comunidade" nacional: isto envolvia desde o culto aos "grandes vultos da história" até a escolha dos nomes dos locais públicos. As ruas, por exemplo, cujos nomes estavam ligados às profissões ou a eventos (Rua do Matadouro, Rua da Chacina...), passaram a ganhar nomes de personalidades "históricas", escolhidos, claro, em função dos interesses de quem estava no poder. Estas circunstâncias históricas são a própria disputa pela memória "coletiva": aos vencedores, o passado! O que chamamos de "hegemonia político-cultural" (Gramsci) também passa por isso. Mas, como os vencedores de uma disputa hegemônica podem ser os perdedores mais tarde -quando os ventos da história mudarem- os nomes dos locais públicos também podem circunstancialmente mudar.
O nome do auditório do Centro de Educação da UFPE chama-se Carlos Maciel e há, neste momento, um movimento para mudá-lo. Maciel foi, não apenas o homem de confiança do regime militar na UFPE, mas também o infame interventor no Movimento de Cultura Popular e no Serviço de Extensão Cultural (coordenado por Paulo Freire), e seu nome nos traz a lembrança de um tempo sombrio (que muita gente, hoje, gostaria de reviver). Receio, no entanto, que a "perspectiva decolonial", que já chegou há algum tempo nas universidades, não vai nos libertar do passado -que não depende apenas dos nomes de batismo!- fazendo do Presente um tempo em que as "vítimas do passado" buscam "ressarcimento histórico"!
Longe de mim homenagear tiranos, ditadores ou seus sequazes, mas o Passado não pertence apenas às suas vítimas que, hoje, pedem "reparação": ele pertence também (nós gostemos ou não!) aos que nos dominaram, e sem conhecer nem lembrar dos dominadores apagaremos parte importante da memória da opressão. E sem compreender a opressão, nem lembrar o nome dos que nos oprimiram (aqueles que sempre tentam se esconder de seu passado, quando os ventos mudam) não chegaremos a nenhuma "libertação". O preço de batizar locais públicos com nomes "personalizados" é esse: a efemeridade, aliás, tão característica de nossa época!
Tenho imenso respeito pelas vítimas e por aqueles que deram suas vidas para que as nossas tivessem algum sentido (e quero me lembrar sempre disso), mas, como disse Émile Cioran, "recuso-me a erigir minha própria vida sobre um cemitério!".
Flávio Brayner, professor da UFPE
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