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A pandemia me faz prisioneira da única liberdade: pensar

"Em todos os momentos nascem mil ideias que vão se renovando em múltiplas indagações. Tenho a certeza de não compreender a existência". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 21/07/2021 às 6:08 | Atualizado em 21/07/2021 às 6:35
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Os dias passam em uma solidária sequência. A pandemia me faz prisioneira da única liberdade: pensar. Em todos os momentos nascem mil ideias que vão se renovando em múltiplas indagações. Tenho a certeza de não compreender a existência. Ao meu redor, mora uma difusa paisagem, mutação que me leva a perceber-me incompleta, porém, renovada; a cada minuto, a alma se transforma. Penso e repenso. Nada sei. E, de repente, mil ideias surgem como se o renascimento acontecesse sem tréguas. Sou tão pequena para idealizar um mundo vasto, vasto mundo! Dentro de mim, os espaços se limitam, acato todos os caminhos. Jamais sei por onde atalhar os vieses do cotidiano. Vou seguindo ao embalo dos sentimentos; emoções explodem; eu, tão vulcânica e apática.

Pressinto que nunca acesso as diárias contradições. Medo? Talvez Medito e me vejo tão incompleta que estou sempre a perscrutar a realidade, como se as permanentes limitações não conseguissem adentrar o que em mim habita. O mundo gira sem que eu tenha a menor possibilidade de detê-lo. Quantas vezes desejei estancar os próprios passos?! Aguardar um pouco, deter os impulsos, acalmar o que se passa no interior da alma.... Quanta ilusão! Guardo insolúveis desafios e asseguro que pensar dói e dói muito. Já falei sobre isso, volto a fazê-lo por ignorar que rumo adotar. As imagens se confundem, palavras ganham novas letras, sequer consigo analisá-las, deixo que os dias e as noites se encarreguem de me ensinar. Ledo engano. A cada instante, despontam novas perspectivas: ando de um lado para o outro, subo e desço os aclives e declives, opto por reduzir os anseios. Quão difícil o domínio das circunstâncias! Somente eu serei inquieta? Necessito de tantos rodeios para apreender-me. De nada sei. Não quero definições, estou distante de qualquer formulação. Tudo existe independente de mim. Não adianta insistir na previsibilidade. Surpresas se acumulam e a rotina permanecerá contínua e diversificada. Melhor acatar a constância da inquietude.

Não consigo deixar de sentir. E sinto de todas as maneiras, um rebuliço que não me permite deter os impulsos. E nada me prende a nada. Será mesmo? A complexidade do inverossímil mora nos anseios ou nos recolhimentos? Relembro o poeta: "Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?" O mundo foi feito para quem consegue conquistá-lo. Estarei pronta no enfrentamento da dúvida? Urge fortalecer-me e acreditar em tudo que vejo. De hoje em diante, permanecerei atenta aos mínimos passos do querer. Não importa o que devo procurar. Tão somente dialogar com a exiguidade dos múltiplos eus.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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