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João Humberto Martorelli: em favor da arte, fora Bolsonaro!

"O encontro com a arte é o encontro com Deus ou com os deuses. Dito isso, em favor da arte, fora Bolsonaro!". Leia a opinião

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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI

Publicado em 29/07/2021 às 7:09 | Atualizado em 29/07/2021 às 7:24
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A arte é emoção e técnica. De tão perfeita, a sentença se mostra, logo à primeira vista, ao menos incompleta. Porque a arte, em si mesma, é uma grande abstração, existindo ao olhar de um onde outros não veem coisa alguma. E, na verdade, não existem razões boas ou más para se amar uma escultura, um quadro, um poema, ou uma música. O espectador, o ouvinte, o leitor podem ter razões íntimas para se deleitar com o verso ou a melodia de uma canção, entendê-la como arte, e de arte não se tratar. E vice-versa. O importante, na apreciação da obra, é que sempre existe algo novo a descobrir. As grandes obras são diferentes cada vez que nos deparamos sobre elas, a arte sempre tem qualquer coisa de imprevisível. O essencial é a abordagem despretensiosa, com o espírito aberto, pronto a colher a harmonia mais escondida. Não é assim que ouvimos milhares de vezes uma sinfonia, ou lemos várias vezes o mesmo livro, ou vemos o mesmo filme, ou vamos ao museu rever a mesma tela? De cada abordagem, um deleite novo se sobressai. Apreciar a obra sem preconceitos, buscando a identidade, a lembrança, mas sobretudo a beleza que surpreende. Não há nada demais em se identificar com a obra de arte. Porque a arte desperta lembranças, uma paisagem que vimos na infância e que, agora, vemos retratada em um quadro, que achamos belo ou feio conforme nossas memórias. Mas sempre é necessário assinalar que, quando as razões de aversão a uma obra de arte decorrem unicamente de um julgamento pessoal, moral, filosófico, ou pura implicância - eu não gosto de rock por desilusão juvenil com o fim dos Beatles -, podemos perder o prazer da beleza. Voltando ao começo, se a arte é pura abstração, ao artista é imprescindível emoção e técnica. Do livro Conversas com Cézanne, organizado por Michael Doran, recentemente lançado pela editora 34, extraio o trecho de uma carta do artista em que a indispensável junção das duas é bem nítida. Diz ele: trate a natureza partindo do cilindro, da esfera, do cone, tudo posto em perspectiva, para que cada lado de um objeto, de um plano, dirija-se para um ponto central. As linhas paralelas ao horizonte dão a extensão, quer se trate de uma seção da natureza ou, se preferir, do Espetáculo que o Pater omnipotens, aeterne Deus, estende diante de nossos olhos. As linhas perpendiculares a esse horizonte dão a profundidade. Ora, a natureza para nós-homens é mais em profundidade que em superfície, donde a necessidade de introduzir em nossas vibrações de luz, representadas pelos vermelhos e amarelos, uma soma suficiente de Azulados, para fazer sentir o ar. Não exerceu a arte senão como um ofício para entender a natureza e a Deus. E com a técnica mais apurada. O encontro com a arte é o encontro com Deus ou com os deuses. Dito isso, em favor da arte, fora Bolsonaro!

João Humberto Martorelli, advogado

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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