Opinião

O que deseja o Centrão?

"Entre as perguntas do momento estão: qual o tamanho deste centrão? Quanto espaço ainda vai angariar no Governo? Estaria ele mais insaciável do que nunca?". Leia a opinião de Priscila Lapa

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PRISCILA LAPA

Publicado em 02/08/2021 às 6:57 | Atualizado em 02/08/2021 às 6:57
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No início do mandato de Jair Bolsonaro, ele era um inimigo - entre outros - a ser combatido. Em qualquer discurso de otimismo com uma "nova era", falava-se do rompimento com ele, já que era o retrato fiel da velha política. Tê-lo como aliado estava fora dos planos, pois se falava de um recomeço. E agora eis que ele surge como elemento estruturador do Governo, conforme muitos nunca duvidaram. Ele, o centrão. Entre as perguntas do momento estão: qual o tamanho deste centrão? Quanto espaço ainda vai angariar no Governo? Estaria ele mais insaciável do que nunca?

Não é tão trivial definir o centrão. Na maior parte das análises, tem-se como um conjunto de partidos sem agenda ideológica bem definida, com ampla capacidade de adaptação às pautas daqueles que estejam, no momento, no poder. Sua lógica prioritária de atuação é a ocupação de cargos e, justamente pela falta de clareza ideológica, pode se voltar, a qualquer momento, contra o governo, caso não tenha seus interesses pragmáticos atendidos.

No Brasil, a classificação dos partidos políticos (direita, esquerda, centro ou centrão) não é estanque nem homogênea. E essa falta de clareza ajuda e muito na existência e sobrevivência de partidos que nadam conforme a maré política e não sentem pudor algum por se prestarem a ser a base que amortece impopularidades, erros, más gestões, em troca do acesso (o mais amplo possível) aos recursos públicos (cargos, indicações de obras, emendas executadas). O centrão seria, portanto, a prevalência dos interesses privados sobre o interesse público.

Não é coincidência que o partido do atual presidente da Câmara dos Deputados seja o mesmo do mais novo ministro da Casa Civil. O PP chega ao coração do Governo, uma vez que esse ministério é o lugar mais genuíno para se fazer "política". O presidente tentou justificar a escolha como sendo uma imposição das circunstâncias, visto que haveria um complô institucional para atrapalhar seu governo, contra o qual uma equipe técnica não seria contraponto à altura. O fato é que o centrão ganhou espaço e protagonismo, o que pode ser o início de uma nova era de barganhas.

CPI em curso, queda de popularidade, proximidade da eleição, conjugação de crises. Por um lado, há o receio de que as negociações entre o governo e esse bloco sejam sem fim, dilapidando o orçamento público e esvaziando as políticas públicas. Por outro, renasce a esperança de que, com o centrão, finalmente o presidente entenda que bordões digitais não são suficientes para entregar resultados à sociedade. O centrão sabe bem disso. O desafio é fazer com que, minimamente, consiga se extrair algo que se possa chamar de programático dessa relação.

Priscila Lapa, cientista política

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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