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Lei Maria da Penha e o que ainda resta fazer

"As políticas preventivas que deveriam ser desenvolvidas pelo poder público, e abraçadas pela sociedade civil, ou inexistem ou estão corrompidas pela falta de recursos, de profissionais capacitados no atendimento, de espaços de acolhimento, de interesse". Leia a opinião de Gisele Martorelli

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GISELE MARTORELLI

Publicado em 07/08/2021 às 6:00 | Atualizado em 10/08/2021 às 3:50
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Criada em 7 de agosto de 2006, a lei 11.340, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha é, do ponto de vista legal, uma construção muito bem-estruturada. Feito o reconhecimento de sua importância e pioneirismo - instaurando medidas mais rigorosas para punir os culpados de agressão contra a mulher, não mais tipificando o crime como de menor potencial ofensivo - precisamos voltar nossa atenção para o que ainda resta fazer.

Para além do que está escrito no papel, ou seja, na prática, sua execução tem se mostrado problemática. Num país como o Brasil, pontuado pela desigualdade socioeconômica, e num momento político em que importantes questões de gênero são demonizadas como elementos de desestruturação familiar, fazer com que se cumpram todos os seus capítulos e artigos vem sendo uma luta inglória.

Seu artigo primeiro delibera que serão criados mecanismos para coibir, prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher. O segundo complementa: "Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social".

Apenas o caráter punitivo da Lei Maria da Penha, prevendo penas mais severas em casos de violência contra a mulher, seja ela psicológica, física, moral, patrimonial ou sexual, tem-se sobressaído. No entanto, este não é o único nem o mais importante fator a garantir o que professa o artigo terceiro: "Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária".

As políticas preventivas que deveriam ser desenvolvidas pelo poder público, e abraçadas pela sociedade civil, ou inexistem ou estão corrompidas pela falta de recursos, de profissionais capacitados no atendimento, de espaços de acolhimento, de interesse. Enquanto diminui o número de feminicídios praticados contra parcela significativa de mulheres brancas - uma vez que parte privilegiada desse grupo pode contar com a segurança que o dinheiro proporciona - mais mulheres negras são mortas a cada dia. Estancar o ciclo de violência, historicamente estimulado pela cultura de submissão feminina, exige mais, muito mais, que dispositivos legais.

Gisele Martorelli, advogada especializada em Direito de Família e Sucessões.

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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