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Comemoramos mais um Dia do Advogado

"Comemoramos mais um Dia do Advogado. E há duas maneiras de fazer isso. Uma é com a razão. Na linha de Baltasar Gracián (L'Homme de Cour), para quem não há vingança maior que o esquecimento". Leia a opinião de José Paulo Cavalcanti Filho

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José Paulo Cavalcanti Filho

Publicado em 13/08/2021 às 6:00
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Nessa quarta, comemoramos mais um Dia do Advogado. E há duas maneiras de fazer isso. Uma é com a razão. Na linha de Baltasar Gracián (L'Homme de Cour), para quem "Não há vingança maior que o esquecimento".

1. História. Fomos nomeados, os três, por OAB e ABI, com procuração para redigir o impeachment de Collor. De sexta a domingo, durante meses, nos reunimos na OAB Federal. Para redigir. O Ministro Evandro Lins e Silva, responsável na petição pela parte de Direito Penal, começou a ler o discurso que preparou para a sessão do Senado, "As relações entre Collor e PC Farias são espúrias. Um conúbio (casamento). Um contubérnio (concubinato)". Silêncio na mesa. Ficou olhando e nós dois, parados. Fábio Konder Comparato, que redigiu as questões de Direito Constitucional, se vira para mim e diz "Fale, por favor". E eu, que redigi o resto, protestei, "Melhor você, que é sobrinho dele". Evandro parou de ler, indignado. "Lá vêm vocês, de novo, botar defeito no meu discurso". "Não é isso, Ministro. Mas vai ter que escolher entre conúbio e contubérnio. Os dois, juntos, pode não". "Mas a frase está pedindo esse reforço (repetiu, gesticulando, como se estivesse num júri). Acho que vocês nunca vão ser advogados de verdade. Que, para isso, precisam sentir gosto de sangue na boca". Depois, mais calmo, riscou o conúbio. E Collor acabou cassado.

2. Afetiva. Das lembranças que me voltam agora, curiosamente, nenhuma é maior que o som da frase "o pai ou o filho?", que durante tantos anos ouvi no escritório. Em resposta à invariável pergunta, feita à telefonista, "Dr. José Paulo está?" Como meu pai já se foi, em uma clara manhã de setembro, sempre imaginei que, com ele, morreria também o som daquela pergunta singela - e desde então lamentei, secretamente, não mais poder ouvir aquelas palavras. Ocorre que passou o tempo e presenciei a mesma telefonista repetindo a mesma frase - "o pai ou o filho". Só então me dando conta de que ocupo, agora, o papel que um dia foi de meu pai. Tendo, no outro papel, meu filho José Paulo. A vida "vale a pena de viver e a dor de amar" - palavras de Carlos Pena Filho (A Solidão e sua Porta). Se o destino conceder virá, depois, meu neto José Paulo. Até que, um dia, outra telefonista perguntará a outros amigos e clientes, "o pai ou filho?". Com meu filho, então, em meu lugar. Depois, meu neto. E la nave va.

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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