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Vinte e sete anos depois de vencida a superinflação, vivemos novo pico inflacionário da era do Real

"Inicialmente tratado como temporário, já desenha uma tendência, o que fica claro em consistente linha ascendente do IPCA acumulado em 12 meses (07/2020 a 07/2021)". Leia o artigo de Tarcisio Patricio de Araujo

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Tarcisio Patricio

Publicado em 17/08/2021 às 6:00 | Atualizado em 20/08/2021 às 2:35
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O Brasil se destacou, na América Latina - talvez no mundo - como Nação a "se acostumar" com preços altos, bem mais do que nos chamados países desenvolvidos. Tal permissividade teve auge na década e meia até a criação da moeda Real (julho 1994), quando já havia se ampliado e amadurecido o mecanismo de correção de preços pela inflação, instituído em outubro de 1964. Nascia a correção monetária (CM), que ancorava a ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional), título da Dívida Pública, de longo prazo (2 a 5 anos), lançado pelo então rebento Banco Central. Veio também a Caderneta de Poupança - que rendia juros (compostos) de 0,5% ao mês (6,17% ao ano), mais CM. Tratava-se de viabilizar juros reais positivos, antes negativados por taxa nominal de juros constitucionalmente fixada no limite máximo anual de 12% versus uma inflação que, em 1963-64, passava a barreira dos 90% ao ano.

De preços públicos para preços privados, o lógico passo seguinte da indexação. Isso traria convivência "pacífica" com preços altos, sem cairmos em hiperinflação clássica, tipo Alemanha 1923. Iniciada a década de 1980, o país tinha uma economia plenamente indexada e carregava a "inflação inercial": a inflação do ontem garantia a do amanhã, mesmo sem choques de oferta ou de demanda. São dessa década e meia (1980-1994) os picos de inflação: 2.708% (IGP-DI) e 2.477% (IPCA), no ano de 1993. Um paraíso para estratos sociais que podiam poupar e fazer aplicações financeiras de maior vulto, indexadas. Àqueles do andar térreo, boa parte sem conta bancária, restava o amargo da inflação plena. Sempre o esplêndido país da desigualdade social.

Hoje, 27 anos depois de vencida a superinflação, vivemos novo pico inflacionário da era do Real (IPCA 9,0%; INPC 9,85%; IGP-DI e IGP-M acima de 33%, todos no acumulado de 12 meses até julho). Inicialmente tratado como temporário, já desenha uma tendência, o que fica claro em consistente linha ascendente do IPCA acumulado em 12 meses (07/2020 a 07/2021). Troque-se em miúdos o dia a dia, considerada a média mensal (0,786%) do INPC - para renda familiar de 01 a 05 salários-mínimos - acumulado em 12 meses (9,85%). Uma renda nominal mensal de R$1.000,00 sofre desgaste progressivo descrito por sequenciais frações com numerador 1.000 e denominador 1,00786 sucessivamente elevado a potências de 1 a 12: (1,00786)1, (1,00786)2, (1,00786)3, ... até o mês 12 - (1,00786)12. Resultado: renda real de 1.041,92 no final do mês 1; 1.082,91 no mês 2; 1.074,46 no mês 3, ... encerrando-se o 12º. mês com renda real de 1.000/1,0985 = R$ 910,33. Pois é, o problema é o denominador - que amplia pobreza e aprofunda desigualdade social.

Tarcisio Patricio de Araujo, economista, professor aposentado da UFPE e consultor

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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