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Quando a política não resolve a crise, a crise engole a política

"Enquanto não se acha uma saída, segue o espiral de confrontos e a escalada da tensão, sobretudo entre o chefe do executivo e o Supremo Tribunal Federal". Leia a opinião de Raul Jungmann

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Raul Jungmann

Publicado em 26/08/2021 às 6:07
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Quando a política não resolve a crise, a crise engole a política. Tenho dito e repetido isso como um mantra. Mas a crise permanece sem solução, e a política vai sendo engolida, à lá Joseph Conrad, sem um estrondo ou estrondos. Não que não tenhamos abalos, eles são quase diários, mas é que não se construíram saídas - ou não as temos? Considerando que o presidente da República é o principal motor dela ou delas, crises, a saída constitucional para essas situações não está à mão, por razões óbvias, políticas e sociais.

Refiro-me ao impeachment, dado que vivemos uma pandemia, restritiva de manifestações de rua, componente fundamental de qualquer processo de impedimento. Aliada ao fato de que o presidente conta com uma popularidade de 25% e, por fim, as divisões da oposição e perda de legitimidade de grande parte do sistema político, dos políticos e partidos.

Talvez por isso teses como o semipresidencialismo estejam novamente em circulação e, recentemente, a tese da inelegibilidade do chefe da nação. Se a tese do semipresidencialismo é de longo ciclo de amadurecimento e concretização, a proposta de inelegibilidade do presidente peca por vitimá-lo - Lula é reabilitado e Bolsonaro inabilitado -, embora de execução mais expedita e rápida.

Enquanto não se acha uma saída, segue o espiral de confrontos e a escalada da tensão, sobretudo entre o chefe do executivo e o Supremo Tribunal Federal, já que o Congresso, em mão de neo-aliados do presidente, idem a Procuradoria-Geral da República, caminha, ou melhor, tenta se equilibrar no fio da navalha das crises e dela manter-se distante, a um só tempo.

As Forças Armadas têm estado indisponíveis a qualquer aventura autoritária e se recusado a endossar atos e falas do presidente, de constrangimento aos demais poderes e governadores, em que pese deslizes recentes, pós-demissão dos comandantes da Marinha, Exército, Aeronáutica e do ministro da Defesa.

Porém, o alto oficialato nutre uma profunda, intensa e crítica rejeição às ações, aos recuos, às revisões e omissões decisórias do STF, que, num quadro de aguda crise, poderá ser insuperável. De quebra, o 7 de setembro que se aproxima, envolto em brumas digitais e outras nem tanto, é uma esfinge que nos atormenta, uma a mais, a cobrar respostas a todos, instituições, cidadania, história e futuro, brevemente.

Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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