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Sérgio C. Buarque: Bolsonaro trata crise energética como mais uma gripezinha

"Mais uma vez, diante de uma ameaça, Bolsonaro tenta enganar os brasileiros. Para não se contaminar, ele evita as palavras que ameacem a sua eleição, como apagão, racionamento ou contenção compulsória de consumo"

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SÉRGIO C. BUARQUE

Publicado em 01/09/2021 às 6:11
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A crise energética é grave. O ONS-Operador Nacional do Sistema anunciou a possibilidade de esgotamento de praticamente todos os recursos energéticos até novembro. Ou seja, se não houver uma oferta adicional de energia e uma drástica redução do consumo, teremos um sério risco de apagão, retração da economia e inflação, que já se aproxima de dois dígitos. Segundo o ONS, o Brasil precisaria de uma usina de Itaipú adicional para evitar um apagão. Mas, como o presidente da República não consegue lidar com crises, exceto as que ele mesmo cria, prefere minimizar, ironizar ou mesmo ignorar, como fez com a pandemia de Covid-19. Bolsonaro continua tratando a "maior crise hidrológica da história" (segundo suas palavras) como mais uma "gripezinha", se limitando a pedir que os brasileiros "apaguem um ponto de luz" das suas casas.

Mais uma vez, diante de uma ameaça, Bolsonaro tenta enganar os brasileiros. Para não se contaminar, ele evita as palavras que ameacem a sua eleição, como apagão, racionamento ou contenção compulsória de consumo. Esta "síndrome do avestruz", enterrando a sua cabeça e tentando empurrar junto a cabeça dos brasileiros no solo para não ver o estrago, vai cobrar um preço alto no futuro imediato. Ao Brasil, que pode afundar na escuridão da estupidez, e ao próprio Bolsonaro, que será abandonado pelo eleitorado ludibriado. Porque não são as palavras que ameaçam o futuro, são os fatos, a realidade, neste caso, a grave escassez de energia e o risco real de apagão com todas as suas consequências. O preço da energia já explodiu e serão frustradas as expectativas otimistas de crescimento econômico neste e no próximo ano.

Que diferença da crise de 2001! Na ocasião, o presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu a responsabilidade e mesmo os erros "na condução da política energética e de falta de previsão no uso dos reservatórios de água", criou um gabinete de crise com poderes para tomada de decisões necessárias, mesmo duras e impopulares, incluindo racionamento, corte de energia em algumas áreas e horas e até suspensão de eventos noturnos. Evitou o pior, mesmo perdendo popularidade. Quando as medidas foram suspensas, no ano eleitoral de 2002, Fernando Henrique voltou à televisão para agradecer aos brasileiros: "Você apagou a luz e iluminou o Brasil". A crise energética atual é até menor que a de 2001, graças aos investimentos realizados nas últimas décadas. Mas agora o Brasil carece de um chefe de Estado.

Sérgio C. Buarque, economista

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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