ARTIGO

Todo tempo é tempo de reflexão

"Quantas vezes uma abarrotada plateia me leva aos mais profundos mistérios da alma! Não importa o dia ou a hora. Vale a intensidade de um Eu que discretamente irrompe sem pedir licença". Leia o texto de Fátima Quintas

Imagem do autor
Cadastrado por

FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 01/09/2021 às 6:05
Notícia
X

Todo tempo é tempo de reflexão. Instantes privilegiados existem, sobretudo quando o silêncio assume a realidade do cenário. Em meio a uma grande multidão, o isolamento interior e individual acontece. O importante é permitir que os segredos internos aflorem sem pedir licença. E se façam operantes na intimidade de cada um. Quantas vezes uma abarrotada plateia me leva aos mais profundos mistérios da alma! Não importa o dia ou a hora. Vale a intensidade de um Eu que discretamente irrompe sem pedir licença. Ainda bem que o faz. Tenho por hábito isolar-me entre grupos de aparência formal, quando os olhos se entremeiam e bradam bem mais alto do que qualquer explosão verbal.

A revelação intimista se mostra profícua, independe da palavra dita. Falar pode se irmanar ao silêncio. Contradição? Creio que não. Quantas vezes a exterioridade se contrapõe ao âmago de cada um? Não estou só nesse diálogo mudo. São tantas as interrogações que nada interfere na liberdade interior. Digo e não digo. Ou digo apenas para enganar-me internamente. O poeta traduz a riqueza da harmonia: " O meu semblante está enxuto,/Mas a alma, em gotas mansas,/ Chora, abismada no luto/ Das minhas desesperanças..." A reclusão das palavras, tão sabiamente pronunciadas, me traz o retraimento do instante. Há, todavia, enunciados que se acumulam em refúgios de solidão. Será que falar revela a ênfase do que se quer dizer? Absolutamente não. Entre letras e soma de letras não pronunciadas, a humanidade se deixa prosseguir. O explícito pode ser o grande cenário da omissão. Digo o que quero ou o que devo? Entre o sim e o não, explosões acontecem.

A dualidade faz parte de cada um de nós. A vida vai tecendo, ao longo das horas, laços impossíveis de alguma previsão. Amamos retalhos dos nossos sigilos. Não há do que duvidar. Ao contrário, a hesitação comanda o que parece real e irreal. Melhor acreditar em todos os senões. Impossível dominar a ambiência de cada um. Ainda bem. O contrário resultaria em um excesso de realismo. Urge alimentar a complexidade da vida. Acertos inabaláveis são fantasmas indefinidos. Existem e não existem, eis a questão fundamental. Cenários de harmonia sugerem múltiplos fragmentos. E em torno das perguntas explode o limite de indefinidas contradições.

Lembranças se conservarão como o mote maior da individualidade. As memórias proliferam na circunferência do diverso. Tantas ideias se misturam a cada dia que passa! De um jeito ou de outro, existimos sob a ode das inúmeras perspectivas. Nada parece real quando a imaginação torce e distorce infinitas emoções. Não adianta fingir diante do cenário de cada um. Fluxos e refluxos se acomodam, a estrada se fragmenta, idas e vindas se propagam, a dubiedade prevalece. E o passado se agiganta no ato de rememorar. O esquecimento ajuda o rumo de cada um. Reavivar o que já se foi consolida a história então fragmentada. Os mistérios indecifráveis não se mostram a nu. Antes, firmam-se na esfera do enigmático. Impossível evitar a transfiguração de cada indivíduo.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

Tags

Autor