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Jamais abandonarei os sussurros interiores

"Tenho o corpo inflado de devaneios. Opto por ouvir o que se passa dentro de mim. Então, os sussurros ganham o timbre do instante vivido". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 08/09/2021 às 6:05
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O som vem de longe. Ouço-o no recanto do infinito. Distante. Mas em alguma penumbra ressoam ecos inusitados. Tenho o corpo inflado de devaneios. Opto por ouvir o que se passa dentro de mim. Então, os sussurros ganham o timbre do instante vivido. Esforço-me na tentativa de compreender o derredor. Os detalhes assumem a força do real. Contudo, não sei o que desejo. Acato o mergulho da alma, sem receios nem temores. De um jeito ou de outro, entrego-me a tantos pormenores que não resisto à sensação do que se passa na mais longínqua distância. Estou além das possibilidades, mas nada impede que me situe em vários lugares no mesmo ritmo. Cresci, porém, o tempo que se foi é todo meu. E o orgulho de saber-me capaz de multiplicar o mundo me fascina. Nada esqueço: afirmativa que se renova no decorrer do tempo.

Mudei pouco ao longo dos anos. Criança fui, acanhada e sem grandes apelos de vitória; retraída e pacata nos instigantes enlevos; atenta, porém, aos possíveis deslizes da rotina. Plena de esperanças — uma capacidade indescritível de renovar os desejos, tão infantis e tão verdadeiros, reflexo da face ingênua: ora apaixonada, momento seguinte, retraída. As ilusões se estendem por dias e noites, sempre na expectativa de multiplicá-las no decorrer da jornada. Jamais desisto do ato de engendrar o impossível. Mesmo lá atrás, quando tudo indicava o irreal, reagia a inação. Em todas as épocas, encontro expectativas e desprezo o que não me apetece. Corpo e alma se resumem a uma intensa fantasia. Não há nada mais cativante do que alimentar enredos misteriosos. Uma fatal atração pelas complexas miragens. Abraço as quimeras. Sigo adiante, não recuo; por vezes, entretanto, receios afloram. De quê? Dos encantos prováveis ou imaginários. Minhas mãos buscam todas as coisas, não questiono as dificuldades em obtê-las. Pelo contrário. O que parece inatingível me seduz mais e mais. Brincando de viver, alimento-me de múltiplas perspectivas.

Afinal, o que quero dizer? Jamais soube nem pretendo saber. Melhor sacolejar a imaginação e confiar nos horizontes do amanhecer. Convivo com tantas indefinições que sou capaz de ir à procura do tudo e do nada. A soma das impossibilidades estimula o advir. Entretanto, quantas vezes recuei diante dos obstáculos? Mas, depois, retomei-os na esperança de vencê-los. Sou igual a todo o mundo. Vasto universo, pleno de esconderijos. Por que não cascavilhar os mistérios do Eu? Apetece-me caminhar na direção dos impulsos. Deixá-los por aí, jogados, representa um repúdio aos apelos da cobiça. Sigo-os com vontade ferrenha. Que nada limite a intenção de alcançá-los. Vou e venho. Desde menina, recorro ao desígnio de alcançar sábios horizontes. Estarei errada? Não. Não. Jamais abandonarei os sussurros interiores...

Fátima Quintas, Academia Pernambucana de Letras

 

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