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Tenho a sensação de que hoje não é dia de escrever, sim, de refletir

Tenho a sensação de que hoje não é dia de escrever, sim, de refletir sobre um tempo especial, o de estar em casa com os pensamentos a se reencontrarem instante a instante. Olho para o relógio, as horas avançam em uma monotonia que me chama a atenção". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 15/09/2021 às 6:00
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Tenho a sensação de que hoje não é dia de escrever, sim, de refletir sobre um tempo especial, o de estar em casa com os pensamentos a se reencontrarem instante a instante. Olho para o relógio, as horas avançam em uma monotonia que me chama a atenção. São dias que se assemelham aos antigos retiros de épocas lá atrás. Há uma cadência que me invade e que me chama a atenção pela sua regularidade. Convivo com o sussurro das horas em um diálogo profundo, tão prolongado quanto harmonioso. Olho para os lados, o mesmo móvel, a mesma cortina, o mesmo teto... Não me aflige a sensação de circunstâncias que se reproduzem em sequenciadas irmandades. Guardo tantas evocações que renová-las me faz bem. Hoje de um jeito, amanhã de outro, apesar de uma mesma tonicidade. Tenho a plena sensação de extravasar-me, independente da melancolia do contexto. Aprendi com a rotina a dinamizá-la, ainda que os ecos se repitam em uma tirânica circularidade. Vale realçar a passagem do relógio a explorar fluxos da interioridade. Somos todos semelhantes na revolução dos sentimentos.

Vou e volto inúmeras vezes pelo corredor. Nunca, entretanto, com as mesmas ideias. Crio e recrio o que se passa na alma. Desde quando aprendi a deslocar-me sem sair do lugar? A mente se encarrega de centenas de miragens, de frequentes delírios, de indefinidos assombros... Um ano, um mês, várias semanas, e o ritmo acontece no que há de mais íntimo dentro de mim. O silêncio serve de alimento as imersões que sacolejam os invisíveis recatos; tão enigmáticos quanto intensos. Importa a criatividade em ritmo acelerado, como se as sensações jamais se cansassem de aflorar, redemoinho que não tem princípio tal qual os ímpetos que fluem independente da vontade de cada um.

Escrevo sem saber o que digo. As palavras surgem como elementos da emotividade. Serei única nessa explosão sem nome? Temos similitudes, não adianta enganar o que explode ao longo de cada momento. Tudo muda e, ao mesmo tempo, permanece inalterado. Somos o resultado de uma roleta que não se cansa de girar, segundos e mais segundos, ciranda sem previsão. O mundo se faz mundo repousado na loucura dos espantos de ontem, das surpresas de hoje e dos anseios do amanhã.

Estou só, mas poderia cercar-me de mil pessoas. O que importa? O tédio me invade, assim como as nuances de um tempo fugidio. Imagens delirantes me confundem, tanto quanto me alertam, vão e voltam em uma circular renovação. O poeta Manuel Bandeira evoca: "Toda a alma humana, da mais funda/ Mágoa à mais etérea alegria, /Vibra, ora grave, ora jucunda, /Em teus poemas de alta mestria." A transubstanciação traz em si um reformular que independe de qualquer previsão. Por mais que o raciocínio se faça lógico, a emoção predomina em pleno vigor. O dinamismo aflora como um vetor de sólida interpretação. E o mundo caminha na travessia do incógnito. Impossível acatar previsões, melhor conviver com um diálogo de intensas variações. Quase um apelo ao espontâneo e a às explosões do que é verdadeiramente humano.

Fátima Quintas, Academia Pernambucana de Letras

 

 *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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