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Contraterrorismo: órgão que se quer criar invade competências de polícias, governos estaduais, órgãos de controle e Forças Armadas

"É um atentado irreversível ao estado democrático de direito. Não deve, nem pode prosperar". Leia a opinião de Raul Jungmann

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Raul Jungmann

Publicado em 16/09/2021 às 6:07
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"Que os nossos inimigos saibam que quem tentar erguer a mão contra a vontade do nosso povo, contra a vontade do partido de Lenin, será impiedosamente esmagado e destruído". Corria o ano de 1937, época dos grandes expurgos na União Soviética, e o sombrio autor da frase, Laurent Béria, era chamado pelo ditador Stálin de "meu Himmler" - um dos líderes do partido nazista e psicopata. Béria tornou-se conhecido pelo fato de comandar a NKVD, a polícia política de então, por sentir prazer sádico na tortura e gostar de espancar e violar mulheres e garotas. O Comissariado do Povo Para Assuntos Internos, a NKVD, era a extensão do ditador, diretamente subordinada a ele e um verdadeiro estado dentro do estado soviético, cuja principal tarefa era administrar o terror, em campos de concentração, tortura e supressão de adversários ou ex-aliados do regime. Oito décadas após, o PL 1365 de 2019, de autoria do deputado Victor Hugo, tenta (re)criar entre nós um órgão similar, através da Autoridade Nacional Contraterrorista, do Sistema Nacional Contraterrorismo e da política Nacional de igual nome. Como a NKVD, a Autoridade subordina-se diretamente o chefe da nação, possui mandato para acessar toda e qualquer informação, sigilosa ou não, além de dados de quaisquer um de nós brasileiros. O órgão que se quer criar invade competências de polícias, governos estaduais, órgãos de controle e até das Forças Armadas. Fragmenta a estrutura de coordenação do Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP, idem o Sistema Nacional de Inteligência, e fica ao largo do controle do Congresso Nacional. Reintroduz o excedente de ilicitude nos moldes amplos e rejeitados anteriormente pelo legislativo. Mais grave, propõe codificar crimes com tal amplitude que torna quaisquer manifestação pública alvo de ação da Autoridade Nacional Contraterrorismo, num claro atentado aos direitos e garantias constitucionais e aos direitos políticos. Não por acaso, dez associações representantes de policiais - civis militares e federais - se posicionaram contra, tecendo críticas contundentes ao projeto de lei. Idêntico protesto partiu do judiciário e do Ministério Público, pela proposta afastar o controle jurisdicional e restringir o papel de fiscal da lei do MP. Não se discute a necessidade de combater o terrorismo e já existe uma lei para esse fim, a 13.260/2016. Porém, o PL 1395 é um atentado irreversível ao estado democrático de direito. Não deve, nem pode prosperar.

Raul Jungmann, ex-Ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pùblica.

 

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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