Opinião

Sobre o medo político

"A Democracia não é "mais um" regime de governo: é a condição mesma de possibilidade da política!". Leia a opinião de Flávio Brayner

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 20/09/2021 às 6:45
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Ouvi, no "panelaço" do dia 7, um vizinho gritar "Fora os Comunistas!", creio que simpatizante do chamado "Bolsonarismo" (a rigor não existe uma Ideologia Bolsonarista com idéias originais e conceitualmente articuladas: é um apanhado mal feito de conservadorismo moral, reacionarismo político, obscurantismo intelectual, ressentimento social e preconceitos difusos: um delírio antimoderno!). Mas aquele grito me levou a refletir não sobre os "medos" que assolam o homem contemporâneo numa sociedade em que a instabilidade tornou-se modo de vida, mas sobre como ele se transforma em MEDO POLÍTICO.

Numa passagem do romance de Leonardo Padura ("O homem que amava os cachorros"), sobre o assassinato de Trotsky (1940), que meu amigo Geraldo Barroso me presenteou, quando Ramón Mercader (seu assassino) visita Moscou e passa diante do prédio da Lubianka (sede da NKVD, a polícia secreta de Stálin), seu anfitrião lhe diz: -"Este é o prédio do medo. É um medo que cultivamos com esmero, um medo necessário(...). Sem medo não se pode governar nem empurrar um país em direção ao futuro". Assim, todos os estados totalitários (de esquerda e de direita) precisam do "medo político" (sempre apoiado pela mentira) para... eliminar a política!

A Democracia não é "mais um" regime de governo: é a condição mesma de possibilidade da política! Isto significa que a política só se torna possível no interior de um "espaço público" onde opiniões diferentes e divergentes constituem a pluralidade do mundo, espaço institucionalmente regulamentado onde eu não devo temer ser visto e ouvido, de confrontar pontos de vista nem ser perseguido ou ameaçado. É daqui que surge um poder legítimo (Vontade Geral, Opinião Pública, Uso Privado da Razão, Ação Comunicativa) baseado na palavra argumentada em confronto ou concordância com outros argumentos aceitos como "válidos" segundo critérios definidos. O medo introduzido na política funciona, ora como MÉTODO - criando inimigos imaginários, gerais e abstratos (o judeu, o burguês, o comunista), e produzindo um "nós" identitário que se opõe a um "eles" também ficcionado-, e ora como FIM - uma vez criado é preciso eliminá-lo, já que o ente abstrato e geral é capaz de ações concretas e específicas (o "burguês" explora; o "judeu" conspira; o "comunista" subverte). É o fim da pluralidade, do dissenso, da democracia como possibilidade da política. A FUNÇÃO DO MEDO NA POLÍTICA é instaurar a violência institucionalizada e, se possível, um estado paralelo. E para isso as milícias cumprem um papel importantíssimo!

Flávio Brayner, Professor da UFPE

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