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O silêncio tem voz. E mais: não é uma voz qualquer

"Vou e volto na musicalidade da palavra. Amo a literatura pelo que dela emana de sincronia. Não é fácil, contudo, escrever". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 22/09/2021 às 6:15 | Atualizado em 22/09/2021 às 9:39
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A fração do minuto não consegue me acalmar em momentos de complexidade. Como se as metáforas me trouxessem o dom de reavaliar tempos perdidos. Entrego-me por completo às palavras que ressoam dentro do peito. O simbólico me atrai quando belo. Nada mais instigante do que um texto pleno de melodia. A canção da letra me envolve de tal forma que sobrevoo por entre as indefinidas belezas de um som em toada. Acredito na força de uma frase construída com cautela. A escrita, em doses adequadas, recupera o ânimo interior. Vou e volto na musicalidade da palavra. Amo a literatura pelo que dela emana de sincronia. Não é fácil, contudo, escrever.

O papel em branco amedronta, ainda que exalte o acolhimento da letra. E a sequência de um dizer bem narrado resulta de uma série de significâncias. O poeta me sopra as mais diversas melodias. " Eu quero a estrela da manhã/Onde está a estrela da manhã?/ Meus amigos meus inimigos/ procurem a estrela da manhã." Ao encontrá-la me repassem sem receio. Não me basta o ritmo da sequência. Urge abraçar a paisagem do desconhecido. Vou além do que posso à procura de mim mesma. É preciso ter confiança na cadência da exterioridade. Nada se perde entre os vagares. Há sempre o anseio de acolher o que parece inatingível. Sigo em frente, recuo ou retorno. Não importa a dinâmica da caminhada. Entre a luz do sol e o sombrio da noite, estarei sempre à procura do que não sei. Desde quando aprendi que nada é fácil na estrutura da existência? Escrevo com receio de errar; leio e nem sempre absorvo o dito; no entanto, há de se aplaudir o oculto. Será? Escondo-me para não ser vista; puro engano, há olhos atentos em todos os lugares. Nada escapa aos desejos, bem sei disso. São tantas as perspectivas que me perco e me reencontro a toda hora. Um vai e vem de emoções. Preciso cultuá-las para saber-me em paz comigo mesma.

O silêncio tem voz. E mais: não é uma voz qualquer. Sim, absolutamente especial, como se as folhas das árvores me transmitissem, no seu balanço, a cadência do universo. Por incrível que pareça, gosto dos enigmas. Eles me sacolejam com a força do sim e do não. Afinal, tudo se esvai em frações de segundo. Mas o oculto permanece intacto. Não adianta usar máscaras à toa. Entrego-me às contradições, elas me fazem bem. Nada sei. Desde quando conseguirei alcançar a complexidade do Ser? Indefinições me invadem. Sequer sou capaz de apurá-las. Melhor deixar que a consciência absorva o que jamais poderei decifrar. Opto pelo louvor à palavra dita. Ouço os semitons, a cada segundo. Quase inaudíveis. Mas os ouço.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

 *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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