Opinião

Diferente, mas igual

"As coligações proporcionais e a federação de partidos, constituídas por propósitos meramente eleitoreiros, os de somar votos do conjunto aliado para eleger parlamentares, diferem em dois aspectos". Leia a opinião de Maurício Costa Romão

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MAURÍCIO COSTA ROMÃO

Publicado em 04/10/2021 às 9:03
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A instituição da “federação de partidos” pelo Congresso Nacional (27/09) é ofensiva à promissora reforma eleitoral de 2017 por duas razões: faz retornar, na prática, as coligações proporcionais, e flexibiliza indiretamente a cláusula de desempenho partidário. As coligações proporcionais e a federação de partidos, constituídas por propósitos meramente eleitoreiros, os de somar votos do conjunto aliado para eleger parlamentares, diferem em dois aspectos: (1) as coligações são episódicas, se desmancham assim que terminam as eleições.

Nas federações, os partidos componentes são obrigados a permanecerem juntos durante o período da legislatura. Em termos de atividade parlamentar, os partidos unidos em federação resguardam suas autonomias estatutárias, mas funcionam como se um partido fosse, votando matérias conjuntamente (um líder, um voto, etc.). Este arranjo não é trivial. Por mais convergência programático-ideológica que possa haver entre agremiações federadas afloram inevitáveis dissensos em posicionamentos e votações de temas complexos.

(2) enquanto as coligações podem ter diferentes composições em cada estado do país, as federações têm abrangência nacional: o conjunto coligado é verticalizado, devendo ser repetido nos estados (e nos municípios, mais à frente). Aqui se sobressai outra dificuldade para o bloco federado: a complexidade de administrar os diversos arranjos políticos locais nos estados, em especial relacionados ao cargo majoritário.

A proposta da federação de partidos, ao fim e ao cabo, busca resguardar várias siglas sem densidade de votos de serem alcançados pela cláusula de desempenho partidário, dando-lhes sobrevida eleitoral e financeira, o que colide de frente com a reforma de 2017, que visava atuar sobre a fragmentação do sistema partidário brasileiro, compactando-o quantitativamente ao longo do tempo. Nesse processo depurativo, os partidos com insuficiente envergadura de votos poderiam se estruturar mediante fusão, obtendo maior competitividade eleitoral. A instituição da federação desestimula iniciativas neste sentido.

O dano causado pelo Congresso pode ser reparado, todavia: camuflada na concepção, mas igual às coligações proporcionais na essência, a federação de partidos seria inconstitucional, pois ressuscita a vedação ordenada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017...

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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