Opinião

Semana de Arte Moderna: Cem anos em 22

"O Movimento Modernista tinha, na letra e no espírito, a prática cultural como forma de libertação dos valores e significados reprimidos e excluídos". Leia a opinião de Flávio Brayner

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 05/10/2021 às 6:57
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No próximo ano estaremos comemorando os 100 anos da Semana de Arte Moderna que teve em Mário de Andrade o seu Sumo Pontífice. O Movimento Modernista tinha, na letra e no espírito, a prática cultural como forma de libertação dos valores e significados reprimidos e excluídos.

Isto dava à "cultura popular" a incumbência de libertar a atividade artística do academicismo, derrubando a segregação entre arte e vida: "abrasileirar o Brasil" significava para Mário, desenvolver a memória histórica para fazer coincidir a realidade individual com a entidade nacional: a consciência nacional passava pela superação dos "Gonçalves Dias" e dos "Alencar", intelectuais divorciados do "seio popular".

Na segunda metade dos anos vinte, Mário realizou duas viagens "etnográficas": uma para a Amazônia e outra para o Nordeste, anotando e fotografando expressões, ritos, estilos e falares da "cultura popular" em busca dos elementos que pudessem oferecer novas bases a uma brasilidade lingüística e cultural. Ele foi um típico "intelectual orgânico": envolvido diretamente com as classes mais modernizantes do país, pensava a modernidade nacional, não como racionalização burocrática e administrativa de nossas instituições, mas como uma resposta "genuinamente nacional" aos nossos problemas. Problemas que ele identificava, especialmente, na nossa "falta de caráter", não no sentido moral a que nos acostumamos, mas na acepção de uma nação cuja alma é inautêntica e por isso incapaz de dirigir seu projeto nacional.

Mário de Andrade detinha uma aguda consciência do nosso subdesenvolvimento, expressa, por exemplo, em um de seus prefácios a Macunaíma: "Depois de pelejar muito, verifiquei que o brasileiro não tem caráter. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior, na língua, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional".

Surge um Macunaíma sensual, risonho, arlequinal, ambíguo e postiço, mas incapaz de vencer as forças com que luta. Mais do que descrever a "alma nacional" parece que Mário estava diagnosticando uma patologia da "consciência nacional" da qual ainda estamos tentando nos livrar!.

Flávio Brayner, professor titular da UFPE

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