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Todos, eu inclusive, se perguntam se a conversão de Bolsonaro é para valer e irreversível

"Minha aposta é que não, por dois motivos principais". Leia a opinião de Raul Jungmann

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Raul Jungmann

Publicado em 07/10/2021 às 6:00
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Uma das passagens mais conhecidas da Bíblia, Livro de Atos, é a da conversão do apóstolo Paulo a caminho de Damasco. Paulo, cujo nome original era Saulo, o fariseu, tinha cidadania romana, de linhagem aristocrática e se distinguia pela ferocidade com que caçava cristãos para prendê-los e eventualmente entregá-los para serem sacrificados. Entre os anos 33 e 36 DC, ele tem a revelação quando montado a cavalo, uma luz cegante o atinge e ele ouve a voz de Jesus que lhe pergunta "Saulo, Saulo, por que me persegues?".

Doravante cego, até que Ananias o batiza e a visão lhe retorna, Paulo passa a ser talvez o mais destacado dos apóstolos, percorrendo parte da Europa de então, pregando o evangelho de Cristo, além de se tornar um dos doutores da Igreja Católica, um dos seus maiores teólogos e codificadores, até o seu trágico fim, martirizado e morto pelos romanos. Essa bela pagina bíblica me veio à mente ao tentar decifrar a "conversão" do Presidente Jair Bolsonaro às boas regras democráticas, expressa na "Carta aos Brasileiros", de lavra do ex-Presidente Michel Temer, e confirmada na sua entrevista à revista Veja.

Todos, eu inclusive, se perguntam se a conversão do Presidente é para valer e irreversível. Minha aposta é que não, por dois motivos principais. Seu passado de conflitos, provocações, insensibilidade, negacionismo, constrangimento dos demais poderes, incitação ao confronto, além das inúmeras tentativas de descumprir a Constituição, o condenam. Já o seu futuro sombrio o obriga a retomar sua persona anterior à "Carta", em razão do atual cenário de inflação e desemprego em alta, energia cara e risco de apagão, popularidade em baixa e chances minguantes de reeleição.

Aceitar esse destino adverso não cola com a natureza, personalidade, biografia e entorno familiar do capitão. Daí, creio que, em termos históricos, a sua "conversão" esconde o desejo de emular o que se passou na Revolução Francesa de 1789 após o 9 Thermidor, quando os líderes Maximilien de Robespierre e Louis Antoine de Saint Just foram guilhotinados e as execuções em massa do período do Terror pararam, gerando uma certa normalidade, que foi afinal sucedida pelo Consulado Napoleônico e o I Império francês.

Esse, um governo bonapartista e autoritário, é o desejo inconversível do atual Presidente.

Raul Jungmann, ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública.

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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