Opinião

A injustiça por trás dos tributos

"O fato é que o sistema tributário tem consequências perversas na competitividade das empresas e na vida de milhões de brasileiros". Leia a opinião de Priscila Lapa

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PRISCILA LAPA

Publicado em 08/11/2021 às 6:43
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Uma conta que nunca fecha. O sistema tributário brasileiro é repleto de peculiaridades que levam à eterna discussão sobre como reformá-lo para que dê conta do desenho federativo e garanta recursos suficientes para uma entrega de qualidade pelos entes que mais executam políticas públicas ali perto do cidadão. Há, portanto, um clamor por um modelo mais equitativo e mais justo.

A questão é: para quem? Justo como? A desigualdade tão presente em tudo quanto é coisa no Brasil não é trivial e nem pode ser debatida sob olhares e argumentos superficiais. O fato é que o sistema tributário tem consequências perversas na competitividade das empresas e na vida de milhões de brasileiros. Recorremos aos dados: em 2018, 44,7% da receita dos impostos tiveram origem no consumo de bens e serviços; 27,4% na folha de salário; 21,6% na renda; 4,6% na propriedade e 1,6% nas transferências financeiras, de acordo com o Boletim Carga Tributária da Receita Federal. Enquanto isso, países da OCDE tributam a renda em 34%, patrimônio 5,5% e o consumo em 17%.

Outros debates ainda mais aprofundados têm se consolidado na academia e se voltam para os pilares sobre os quais pode ser construído um sistema jurídico orientado para a equidade. Um exemplo claro é fazer com que o sistema tributário contribua para reduzir a desigualdade de gênero, que ocorre cada vez que se torna mais oneroso para uma empresa contratar uma mulher em vez de um homem para ocupar seus postos de trabalho. Recentemente, o STF declarou a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o salário maternidade. Isso contribui para a chamada "neutralização de danos", que envolve a impossibilidade de onerar a condição do indivíduo no sistema previdenciário, em razão de circunstância ou fato de vida que lhe seja peculiar por motivo biológico.

Outro aspecto a ser enfrentado é a incidência de alta carga tributária nos produtos destinados ao público feminino. O que impacta é a classificação desses produtos como não essenciais ou supérfluos, embora possam estar relacionados à necessidade fisiológica da mulher, ao empoderamento feminino e às exigências socialmente impostas à mulher. Como não lembrar do debate recentíssimo sobre a pobreza menstrual?

Para alguns, esse debate é inapropriado ou fruto de "excessos". Na realidade, é uma discussão sobre escassez, sobre como historicamente o olhar dos tomadores de decisão é sempre desprendido de empatia, de reconhecimento da condição do outro. E não só é uma questão de gênero, mas também de raça, de classe. Se o sistema tributário não é o grande fomentador de igualdade, que não seja instrumento para aprofundar as desigualdades.

Priscila Lapa, cientista política

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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