ARTIGO

Quantas interjeições

"Duvido de quê? De tudo. Seria demasiado asfixiante conceber-me. Melhor acatar, com pacífica emoção, a fragilidade que advém do âmago. Palavras me faltam. Fecho os olhos para refletir". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 17/11/2021 às 6:00 | Atualizado em 23/11/2021 às 3:02
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A vida começa quando a lucidez constata o domínio das inquietações. Há uma constante fricção dentro de mim, a questionar os segmentos opostos que o cotidiano apresenta. Minutos, segundos, átimos de instantes... E o tempo se renovando ao ritmo do relógio que se instala na parede da sala: grande, robusto e, sobretudo, inquestionável.

Vejo-o ao compasso de um dia que têm 24 horas. Nada parece se modificar, há um silêncio que acompanha o avançar do calendário. E a inquietude se agiganta na medida que a compreensão diminui. Quantas indagações perpassam o ato de definir a passagem do amanhecer, do entardecer, do anoitecer!... A pulsação me perturba pela sequência repetitiva ao longo da melodia instalada. Há o canto do sabiá, há o vento em uma constância inabalável, há o sol e a lua em sequenciadas oposições... Todos os dias o alvorecer dilata os enigmas. Sou excessivamente vulnerável face ao complexo.

O relógio tem melodia, de quinze em quinze minutos, o som surge e ressurge. Nada parece estável, a dinâmica se repete em instâncias tão iguais que me surpreendem; e, no entanto, a individualidade percebe todas as nuances com base em várias perspectivas. Somos a essência de uma paisagem indefinida. O mergulho, por mais denso que seja, não alcança a plenitude.

Melhor, bem melhor acreditar nas infinitas divagações que invadem o Ser. Vou e volto em um diálogo sem respostas. Encontro--me sempre em plena indefinição na ânsia de conhecer-me. Será que o silêncio me acompanha? Certamente. Ainda que os ruídos se propaguem, persiste a constante renovação do ignorar.

E o turbilhão existencial jamais se acomoda, enxame de inquietações. Um passo à frente, outro atrás... A terra palpitando em um chão virgem de inocência. São tantas as pulsões que, por vezes, tenho a certeza de que vou explodir. Olho de um lado para outro, o cenário parece me atemorizar.

Duvido de quê? De tudo. Seria demasiado asfixiante conceber-me. Melhor acatar, com pacífica emoção, a fragilidade que advém do âmago. Palavras me faltam. Fecho os olhos para refletir.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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