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Salve a voz iluminada dos cantadores nordestinos

Nenhum personagem representa melhor o Nordeste. Para Câmara Cascudo, "o cantador é a voz da multidão silenciosa, a presença do passado, o vestígio das emoções anteriores, a história sonora e humilde dos que não têm história"

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José Paulo Cavalcanti Filho

Publicado em 19/11/2021 às 6:13 | Atualizado em 23/11/2021 às 3:00
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Em um 19 de novembro (de 1865) como hoje nasceu o primeiro cantador/cordelista do Brasil, Leandro Gomes de Barros. Autor de 240 obras, inspirou numerosos escritores. Entre eles Ariano Suassuna que, no Auto da Compadecida, aproveitou dois de seus folhetos: O Testamento do Cachorro e O Cavalo que Defecava Dinheiro. Em sua homenagem, 19 de novembro é considerado como Dia do Cordelista. E do cantador, pois. Aproveito a data para dizer que nenhum personagem representa melhor o Nordeste. Para Câmara Cascudo, "O cantador é a voz da multidão silenciosa, a presença do passado, o vestígio das emoções anteriores, a história sonora e humilde dos que não têm história". E o grande Silvio Romero, fundador da Academia Brasileira de Letras, foi mais longe. Comparando a poesia clássica de seu tempo a "banho morno em bacia com sabonete simples e esponja". Enquanto a dos cantadores é "água farta, rio que corre, mar que estronda". Sem esquecer que a cantoria, desde a semana passada, é Patrimônio Oral e Imaterial do Brasil.

Cantador anda sempre acompanhado por sua viola. Menos o negro Inácio de Catingueira e Fabião das Queimadas, no século XIX (que usavam pandeiros). E até se encantar, não faz tanto tempo, o cego Aderaldo (rabeca). A viola surgiu depois da rabeca medieval. E antes da atual família de violinos. Trata-se, provavelmente, do primeiro instrumento de cordas que o Brasil conheceu. Importada pelos Jesuítas, de Portugal, para seus trabalhos de catequese. Junto com pandeiro, tamborim e flauta de madeira. Nossa viola de arame veio da guitarra espanhola. Tinha, então, 5 ou 6 cordas duplas. Ganhando outras, por aqui, ao longo do tempo.

A cantoria se desenvolve em gêneros. São quase 100, os que conseguimos listar. Mais importante, sem dúvida, é a sextilha - seis versos de sete sílabas, rimando o segundo, o quarto e o sexto. Com o primeiro rimando com o último verso cantado pelo parceiro, a deixa. Sextilhas cantam-se por grupos, denominados baiões, sempre sobre um tema específico (em torno de 10 minutos, cada). Por tudo, então, salve a sabedoria, a erudição, a simplicidade, a resistência, a cultura (levemente inculta), a língua certa do povo, astúcia, futuro prometido, miséria e opulência, realidade e ilusão, o pecado e o paraíso da voz iluminada dos cantadores nordestinos.

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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