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População em condições de imoral e inaceitável pobreza: atestado de fracasso do Brasil

"Fracasso, fracassos. Será penosa a reconstrução". Leia o artigo de Tarcisio Patricio

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Tarcisio Patricio

Publicado em 23/11/2021 às 6:15
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Mudança de endereço, 14 anos depois da vista como última, levou-me a revisitar recônditos de minha biblioteca. Desconforto. Também prazer. Reencontrar antigos livros impressos - alguns lidos, outros quase, outros tantos ainda à espera - traz um misto de trabalho e satisfação, a despeito de, no caso, eu reviver a tortuosa rota da História. Pego 'Democracia e Mercado - No Leste Europeu e na América Latina' (1991, edição brasileira de 1994, Relume-Dumará), de Adam Przeworski, cientista político polonês, 81 anos, conhecedor do Brasil e ainda atuante. Consenso de Washington, "queda do comunismo", uma década da volta do liberalismo - Thatcher e Reagan eram marcas fortes da época. Redescubro anotações e riscos meus. A propósito de reforma do capitalismo, o autor, que reconhece o tamanho do problema, mas se mantém otimista sobre reformas, diz: "O capitalismo é irracional; o socialismo é irrealizável; no mundo real as pessoas morrem de fome". E aí me vem o Brasil, que sequer conheceu o real capitalismo e ainda não saiu da variante compadrio. Coisa que não é só nossa - o crony capitalism tem vasta literatura internacional. Mas, no Brasil, predomina o lucro garantido por benesses do setor público aos "amigos do Rei". Concorrência e mercado são quase-palavrões. Veio a subvariante 'capitalismo Odebrecht', nos desvãos do Mensalão-Petrolão. Esse caldo deu no mote do fracasso, temperado por outra releitura: velho exemplar da revista VEJA, 19/12/1990, capa com "OS MISERÁVEIS - Nunca se viu tanta gente morando na rua" sobre foto de jovem casal e dois filhos ("...sem casa e sem emprego"). Agora (16/11/2021), editorial do JC: "nunca se viu no meio da rua tanta miséria". A coincidência de similares manchetes (headlines), distanciadas por 31 anos, é um atestado de fracasso. Não se culpe a pandemia: o barco já afundava, desde 2011 (ampliando pobreza-miséria que só deixou de existir no fake marketing dos anos 2011-2016).

Um extrato de dados e conclusões da Síntese de Indicadores Sociais 2020 (IBGE) deixa claro o panorama de desigualdade e pobreza em 2012-2019, pré-pandemia. Houve, nesse período, "piora na desigualdade monetária", com maior perda para pessoas do grupo dos primeiros 10% com menores rendimentos, e do grupo dos 10% seguintes, conforme distribuição percentual em ordem crescente do rendimento domiciliar per capita. Por outro lado, dada a linha de pobreza de até R$ 550 de rendimento domiciliar per capita, referência do CadÚnico (cadastro para o Bolsa Família), mais de 60 milhões seria o número de pessoas pobres, em 2019. O de sempre: pior para os que vivem em condições de imoral e inaceitável pobreza. E sequer falamos, agora, de educação, de produtividade. Fracasso, fracassos. Será penosa a reconstrução.

Tarcisio Patricio, economista e professor aposentado (UFPE)

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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