Veto à distribuição gratuita de absorventes é desumano
"O Congresso Nacional pode e deve derrubar esse veto à lei, que é desumano e irracional, de uma inigualável pobreza mental". Leia o artigo de Paulo Rosenblatt
Em tempos recentes, surgiu um ponto na pauta do movimento feminista que é o fato de os tributos onerarem mais mulheres do que homens, uma desigualdade injusta. Itens de higiene pessoal femininos, por exemplo, são tratados como de luxo e sofrem alíquotas maiores do que os masculinos. Como a tributação no Brasil prefere o consumo, mulheres negras e pobres são as que mais sentem a carga tributária e as que mais perdem poder de compra por isso. O chamado "pink tax" (imposto rosa), na verdade, não é um tributo propriamente dito, mas a diferença de preços que o mercado aplica para itens iguais com base na cor. É comum que um mesmo brinquedo seja mais caro rosa do que azul.
Similar a essa pauta, o combate à "pobreza menstrual" ganhou destaque quando estudos apontaram que meninas pobres faltam demasiados dias de aulas porque não dispõem de absorventes. Mulheres pobres, em situação de rua e as encarceradas sofrem uma situação insalubre, obrigadas a usar cortes de tecidos e até pedaços de pão para conter a menstruação.
Desse debate não só de feministas, mas de profissionais de saúde, surgiu a defesa de que a distribuição gratuita de absorventes para essas mulheres vulneráveis é uma questão de saúde pública e de dignidade feminina. O Congresso Nacional, então, aprovou um programa de proteção e promoção de saúde menstrual. Na recém-aprovada Lei 14.214/2021, contudo, o presidente da república vetou o dispositivo que previa a distribuição gratuita de absorventes, sob o obsceno argumento do impacto financeiro da ordem de milhões de reais.
Então, o governo reduziu as alíquotas do imposto de importação sobre absorventes e fraldas infantis (de 12% para 10%), e sobre os insumos químicos principais para esses itens de higiene (de 8% e 7%), e declarou que a medida reduziria o preço desses produtos e resolveria o problema. É uma falácia que ofende a inteligência. Essa medida nem de perto substitui a distribuição gratuita de absorventes. A redução da alíquota é insignificante e não há garantia de redução do preço final ao consumidor. E, para quem passa fome, esses itens continuarão fora de acesso. Além disso, uma hipotética redução uniforme de preços se destinaria a todas as mulheres, inclusive às mais ricas e que não precisam de um benefício a ser pago pelo contribuinte.
O Congresso Nacional pode e deve derrubar esse veto à lei, que é desumano e irracional, de uma inigualável pobreza mental.
Paulo Rosenblatt, procurador do Estado de Pernambuco, professor da Unicap e advogado
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC