O Capibaribe ("Capiberibe" nos versos de Manuel Bandeira) nasce no sítio Araçá, na Serra de Jacarará, em Poção, tem 248km de extensão, bacia de 5.800km², 74 afluentes e banha 412 municípios pernambucanos - entre eles, Recife, onde atravessa os bairros da Várzea e Apipucos, e faz confluência com os rios Beberibe e Tejipió, até desaguar no oceano. Capibaribe é tupi antigo e significa rio das capivaras.
Costumo caminhar no trecho da pista de cooper que vai da Ponte da Capunga à da Torre. Recentemente, as capivaras, expulsas do seu habitat natural pelo homem branco e civilizado, vão, aos poucos, invadindo a Beira Rio. "Invadindo" não é bem o termo. O Capibaribe, suas águas outrora mansas e cristalinas, margens, mangues e manguezais, baronesas; piabas, siris e caranguejos, curimatãs, camurins e camarões, sempre foram delas, capivaras.
Talvez gostando da ideia, jacarés-de-papo-amarelo estão seguindo o exemplo das irmãs capivaras, acompanhados dos colegas de infortúnio saguis, tejus e timbus. Ontem, tivemos a visita inesperada e ilustre de uma jiboia de médio porte, protagonizando cena inusitada. Os gatos e cachorros, veteranos inquilinos da área, se aproximaram, agressivos, miando e latindo, e cercaram a bichinha, mantendo prudente distância, marcando território. A cobra permaneceu tranquila e imóvel, consciente de sua força: "Imagina! Sou capaz de engolir bois e vacas. Quem late, não morde.".
Fico sabendo, por comerciante local, que renhidas batalhas são travadas ao anoitecer, entre gatos da praça Compositor Luís Bandeira e timbus que deslizam, sorrateiros, pelos galhos do flamboyant vizinho para comer os gatinhos. Em represália, gatões comem os filhotes dos timbus. Sagui que vacilou o gato comeu. Teju vai pra panela dos catadores de lixo. Sabiás, bem-te-vis e sanhaços que dormem no ponto, nas árvores e ninhos dos sobreviventes pomares da Madalena, o gavião abraça. Restam poucos.
Amarga e dolorosa lição: a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Zona da Mata, as raquíticas madeiras do Agreste, a Caatinga e o Cerrado não são mais os únicos alvos da famélica, criminosa e incessante depredação do meio ambiente que assola o país impunemente. A rala vegetação que sobrou nos arrabaldes e periferias das metrópoles também sofre. E, ao cair da tarde, o sino da Igreja dos Manguinhos toca as badaladas da Ave Maria, conclamando os fiéis a amar o próximo e os animais. Hoje, ouvem-se apenas as sirenes das aflitas ambulâncias e o ronco insuportável do escape das motos. As capivaras vão estranhar.
Arthur Carvalho, Federação Internacional dos Jornalistas
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC