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A vida é feita de perguntas sem respostas

"Opto por recolher-me na imensidão do mistério, envolta em ilimitadas interrogações". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 08/12/2021 às 6:09
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Aprendi, desde cedo, a abraçar a realidade, porém, nunca aceitá-la na sua dimensão aparente. Todas as coisas estão para além da própria representação. O olhar necessita de uma permanente hermenêutica. É a vontade de destrinchar o mundo que eleva cada um de nós a um patamar de superioridade. São os enigmas que enaltecem à vida. Possuímos vários Eus (Caeiros, Campos, Reis, Soares, heterônimos de Fernando Pessoa) todos dotados de identidade própria. Não adianta acatar os cenários sem antes retratá-los no profundo mistério. O exterior detém múltiplas acepções.

Gosto de enfocar o derredor com espírito indagatório. O olhar demanda o máximo de criticidade. Impossível diagnosticar detalhes à primeira vista. Urge acatá-los mediante crivos capazes de abstraí-los até se transformar em imagens mentais imprecisas, ponto de partida de pensamentos propriamente ditos. Nada mais difícil do que elucidar a realidade com precisão. Estamos diante de um mundo diverso e misterioso. Sabemos tão pouco para decifrá-lo! Melhor aplaudir a multiplicidade; assim, aceitaremos sem angústia a nossa pequenez.

E, dia após dia, traduzo alguma coisa. Ainda bem. Se o real fosse passível de interpretação, o que sobraria para os nossos "dogmas"? Acato a complexidade da existência; então, permaneço em constante descoberta de um Eu fragilizado. Pela manhã, o alvorecer rebenta com a intuição do nascer; à tarde, os duendes parecem se acalmar; à noite, o esplendor das incertezas desponta, repleto de conteúdos enigmáticos. As horas se acumulam em ritmos desiguais. E as evocações aumentam ao longo da vida. Somos um feixe incalculável de incertezas. Não convém falsear os olhos; a exterioridade caminha para muito além da percepção do Eu. A cada instante, uma descoberta. E mais outra; e mais outra.

Tudo é milagre na concepção do universo. Basta olhar para o horizonte e constatar a incapacidade de qualquer interpretação. A vida é feita de perguntas sem respostas. Sou uma ficção, imbuída do talento de observar, jamais de sentenciar. Quantas imagens se reproduzem ao longo do dia e da noite? Há singulares infinitos na passagem de um minuto! Nem sou capaz de enumerá-los. Opto por recolher-me na imensidão do mistério, envolta em ilimitadas interrogações.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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