Voucher creche: o desafio de suprir a demanda por vagas
"Enquanto 51% das crianças que vivem nos domicílios mais ricos estão matriculadas em creche, esse percentual é de apenas 29% quando se trata das pertencentes ao quartil mais baixo de renda". Leia a opinião de Mozart Neves Ramos
Tenho acompanhado, nas últimas semanas, o esforço da Secretaria Municipal de Educação de Recife para suprir a demanda por vaga em creche. Começaria dizendo que esse é um desafio nacional. O Brasil vem ampliando a oferta, mas ainda está longe de cumprir a meta prevista no Plano Nacional de Educação de chegar, até 2024, ao atendimento de 50% de crianças de até 3 anos e 11 messes matriculadas em creche. Além disso, o acesso à creche já reproduz as enormes desigualdades sociais vigentes no país. Enquanto 51% das crianças que vivem nos domicílios mais ricos estão matriculadas em creche, esse percentual é de apenas 29% quando se trata das pertencentes ao quartil mais baixo de renda.
A saída encontrada pela Secretaria de Educação foi usar o chamado voucher creche: pagar vagas em creches particulares para suprir esse déficit. Recife é uma cidade muito densa do ponto de vista demográfico. Não há muitos espaços públicos, em alguns bairros, para a construção de creches. Já vi essa solução antes na cidade de São Paulo, e os resultados não foram satisfatórios do ponto de vista da qualidade na oferta. É preciso tomar alguns cuidados. Creche não pode ser "depósito de criança", e sei do valor do trabalho do secretário Fred Amâncio para que isso não venha a acontecer, mas é preciso tomar cuidado com as ofertas políticas que vão surgir. É preciso investir em supervisão e monitoramento após a contratação.
Nunca é demais lembrar os estudos do prof. James Heckman, Prêmio Nobel de Economia em 2000, que mostram que investir em educação na primeira infância é uma estratégia de baixo custo para promover o crescimento econômico. A análise do programa Perry Preschool feita pelo prof. Heckman mostra um retorno sobre o investimento de 7 a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional, além da redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos do sistema de justiça penal. O retorno estimado sobre o investimento foi de $7 para cada dólar investido.
É preciso reconhecer que na gestão do então prefeito Geraldo Júlio um grande esforço foi feito nesse campo da primeira infância com a inauguração dos centros de referência em educação infantil, que apesar de tudo ficaram longe de atender à demanda por creche. Em matéria que acompanhei na Rede Globo local e também neste mesmo JC, talvez a maior dificuldade é ter vaga articulada com o local de residência da criança, ou seja, associar a oferta à proximidade de moradia. A Secretaria de Educação de Recife está fazendo o possível do ponto de vista emergencial, mas isso só revela a dificuldade de planejamento de médio e longo prazo do poder público para acompanhar o crescimento da cidade e suas necessidades educacionais.
Mozart Neves Ramos, é professor emérito da UFPE e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP Ribeirão Preto.
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC