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A fragmentação que me cerca

"Quantas ilusões se acumulam! Importa saber absorvê-las. Nunca serei inteira porque absorvo a fragmentação que me cerca". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 15/12/2021 às 6:00
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Tudo floresce ao derredor. Talvez esteja exagerando. Será que hoje amanheci com o riso nos lábios? Vejo flores, jasmins, passarinhos, voando como se o céu não tivesse qualquer limite. E creio que não tem. O importante é imaginá-lo infinito, sem começo nem fim, eterno. Estremeço diante do que estou a dizer. Não é bem assim. Tantas incertezas povoam a alma! E o cotidiano serve de espelho às constantes mutações. Não sei que estrada tomar, são múltiplas e diferentes entre si. Estou a meio de um pensamento que se alonga pela atmosfera. Amo a natureza porque dela advêm mil interrogações. Nada mais valioso do que imagens indefinidas, sem contorno. Quantas ilusões se acumulam! Importa saber absorvê-las. Nunca serei inteira porque absorvo a fragmentação que me cerca.

Dogmas indecifráveis povoam o humano. Jamais assumirei definições inamovíveis. Há excertos que embelezam a capacidade do sentir. A toda hora me faço indagações, não me apetece abraçar sentenças absolutas. Preciso de enigmas que me levem ao fantástico. A beleza de tudo se encontra no que há de oculto. Quantas vezes fecho os olhos para não captar a verdade ou a ficção por inteiro? Necessito vacilar diante das incertezas. Estou sempre além do que vi e aquém do definido. Por incrível que pareça, consigo equalizar algumas obscuridades. O somatório das inquietudes não possui fronteiras. Estarei a cada minuto à procura de alguma coisa. Ainda bem. Um conjunto de mistérios não me cala. Urge abraçar o enigmático com vigor.

As fracções complementam o ser. Entre uma e outra, desabrocho com reticências. Careço de múltiplas interjeições. Não me satisfaço com pouco. Vou e volto. Um retorno que se eterniza na verdadeira dimensão. O que absorvo é tão pouco que não me canso de caminhar, caminhar, caminhar... As estradas apresentam um fascínio arrebatador. Escolho uma direção, depois outra, e os elos dos opostos acontecem e não desaparecem. As dubiedades aumentam na tentativa de me explicar. Qual o quê! Deparo-me com um espelho que se transforma em multiplicidade! Até quando serei tão indecisa?! Desprezo qualquer resposta. Construções opostas elevam o ato de indagar. O cenário se dilata quando a mente não destrincha o apocalipse do mundo. Um pouco de calma abastece a constância e a versatilidade. O importante é não desanimar face à complexidade da vida.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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