ARTIGO

A lambreta de Bebé das Graças

"Bebé costumava beber sozinho, não permitindo que ninguém sentasse a sua mesa, onde ficava conversando em longos e intermináveis monólogos metafísicos com Baudelaire, Proust e Rimbaud". Leia o artigo de Arthur Carvalho

Imagem do autor
Cadastrado por

ARTHUR CARVALHO

Publicado em 15/12/2021 às 6:12
Notícia
X

O dia já vinha raiando, os garçons recolhendo as toalhas, pratos, copos vazios, baldes de gelo, restos de comida e cinzeiros, quando o poeta Tomás Seixas adentrou a Palhoça do Melo, sentou-se solitário numa mesa e pediu uísque. Alguns poucos fregueses, que já tinham fechado a conta para ir embora, mas conheciam Bebé das Graças, prevendo que poderia haver alguma coisa no ar, além dos aviões da carreira, resolveram pedir a saideira - no que foram prontamente atendidos.

Bebé costumava beber sozinho, não permitindo que ninguém sentasse a sua mesa, onde ficava conversando em longos e intermináveis monólogos metafísicos com Baudelaire, Proust e Arthur Rimbaud - mas fim de noite é fim de noite, o álcool transpõe todas as barreiras e encoraja os tímidos e covardes. Foi o que aconteceu naquela aprazível e aconchegante churrascaria que servia o melhor filé de churrasco na brasa do Recife. Um jovem e inexperiente beletrista, munido de sua dose de VAT 69, com pedrinhas de gelo, sentou-se à mesa de Bebé e pediu que ele explicasse melhor uma passagem de Lord Jim, do romancista polonês Joseph Conrad - trecho que ele achava obscuro. Bebé, que não descia de seu pedestal para dialogar com terceiros, chamou o maître: "Diga a este rapaz (sentado ao seu lado) que, se ele quiser compreender Lord Jim, faça como eu: compre o livro e leia!".

Solidário ao seu inexperiente amigo, beletrista do bairro, outro mancebo se aproxima e senta também à mesa de Bebé, que, à época, colaborava com herméticos ensaios nas edições domingueiras dos suplementos literários do Correio da Manhã, Jornal do Commercio e Diário de Pernambuco:

- Bebé, quando você escreverá alguma coisa que a gente entenda?

E, Bebé, olhar fixo no teto:

- Quando você comprar sua lambreta... (veículo preferido dos boys).

- Mas eu não tenho dinheiro...

- Não precisa, basta-lhe a ignorância...

Surge respeitável senhor alto e forte, de cabelos grisalhos, tentando celebrar a paz entre os três litigantes capunguenses:

- Bebé, minha mãe era muito ligada a sua família!

- Nome dela?

- Austriclínia Moreira da Silva. Tia Janjoca.

- Confere. Prevaricou muito, quando moça...

E os presentes caíram na gargalhada.

Arthur Carvalho, Associação da Imprensa de Pernambuco - AIP

 

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

Tags

Autor