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Silêncio falante na Ceia de Natal

"Quase meia noite. Homens e mulheres se servem saboreando a festa tradicional. Pouco a pouco, a conversa retoma o timbre anterior. Então homens e mulheres se abraçam na comemoração de mais um enlevo do nascimento de Cristo" Leia o artigo de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 29/12/2021 às 7:23
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A toalha bem engomada, os bordados em relevo branco, a dimensão retangular da madeira, oferece uma beleza condigna. A cena retraída e estática exibe detalhes a serem interpretados. Todos reverenciam o momento especial. O silêncio aplaude a Ceia de Natal. A dona da casa inicia, com máxima prudência, a refeição noturna. Quase meia noite. Homens e mulheres se servem saboreando a festa tradicional. Pouco a pouco, a conversa retoma o timbre anterior. Então homens e mulheres se abraçam na comemoração de mais um enlevo do nascimento de Cristo. Hora de renovar antigas lembranças.

O acúmulo de tradição explode. E o tempo se espalha na interpretação de cada um. Da recatada adolescente à idade adulta, emoções eclodem. As palavras de cada um parecem originais, ainda que excessivamente repetidas. Ambiente de confraternização a exaltar um renovado aplauso. De cada um, evolui uma história a ser contada. A alegria da cerimônia soma-se a gestos únicos e a efusivas verbalizações — uma verdadeira exaltação à felicidade. Rostos alegres se misturam à sintonia do tempo. De cada um explode um enunciado singular. O prazer da narrativa ganha um tom especial. Paira uma mistura do instante vivido e de dias que se acumulam nas faces singulares. Múltiplas evocações em idades igualmente múltiplas. Ninguém fala em épocas passadas, mas reina uma especial sensação de cerimônias vividas, sob o sussurro de identidades próprias. Nada tão valioso quanto aquele mistério acumulado. Entre o místico silêncio e as evulsivas expressões reina o timbre do instante; olhares denunciam o somatório de anos vividos.

Fecho os olhos para pensar, porém o acúmulo de sensações mistura-se ao próprio enlevo. Sequer ouso pronunciar qualquer som. O sigilo falante denuncia a virtude de uma história que não se quer contar. Olhares espraiam-se na forte voz de um teatro sem atores. E por incrível que pareça, escuto todos os detalhes da oculta cerimônia. Ouço a intensidade da narrativa que não se quer verbalizada. E nada é dito; entretanto, tudo se apreende.

Fátima Quintas, Academia Pernambucana de Letras

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