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Fechamento da Escola Parque do Recife: o fim de uma ideia de escola

"Vai-se a escola física, mas permanecerá a escola espiritual naqueles que a fizeram e a frequentaram". Leia o artigo de Flávio Brayner

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 04/01/2022 às 6:07
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No meu último artigo do ano eu escrevi sobre o COMEÇO, o milagre de todo começo; num estranho reverso temático, vou começar este novo ano com o tema do FIM, o fim de uma experiência escolar e pedagógica, o da ESCOLA PARQUE DO RECIFE, que fechou definitivamente suas portas no cair do pano de 2021, após 43 anos de funcionamento.

Fui fundador e professor daquela escola e sei que as discussões políticas e pedagógicas daquela época eram muito diferentes das de hoje; é até possível que seu fechamento se dê em função de uma eventual "má administração" e de sua inadaptação às exigências escolares do mundo atual. Mas o fato é que a EPR tinha uma alma, e sempre que negociamos com Mefistófeles nossa alma, o jogo estará perdido! A EPR era, para o mundo das escolas privadas, o que o Colégio de Aplicação da UFPE é para o das escolas públicas: o que você acha, leitor, de uma escola que ensina Teatro, Música, Artes Plásticas, Francês, Filosofia...? Uma excrescência Renascentista?

Sei hoje que minha vida foi atravessada pela influência de três mulheres, cada uma com uma "alma pedagógica" diferente e que estavam presentes, essas "mulheres/almas", no corpo daquela Escola, e que, aliás, participaram da discussão de sua criação: uma me ensinou a PENSAR e se chama Socorro Ferraz; outra me ensinou a EDUCAR e se chama Myrtha Carvalho, e a terceira me ensinou o que significa INTERESSE PÚBLICO e se chama Edla Soares. Juntas, elas projetaram naquela Escola um conceito de educação expresso em quatro ideias: a) Ninguém está perdido para educação: todos serão bem vindos e acolhidos; b) Você aprenderá a pensar e se conduzir sozinho, e gostará disso; c) Você entrará em contato com as grandes tradições culturais, e compreenderá melhor a condição humana; d) Nós te ofereceremos os critérios para o "que fazer" com aquelas tradições, e compreenderá a importância disso.

Não era propriamente uma escola de "esquerda", mas uma escola que, por estimular a consciência interrogativa e judicativa de seus alunos numa época sombria e opressiva, terminou ganhando uma imerecida reputação: que boa parte de seus alunos preferisse, na hora do recreio, deixar o futebol para ir para a sala dos professores conversar conosco é, para mim, a mais socrática das imagens e lembranças pedagógicas que guardarei na memória. Vai-se a escola física, mas permanecerá a escola espiritual naqueles que a fizeram e a frequentaram.

Flávio Brayner, professor titular da UFPE.

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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