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As razões do despertar me encantam

"Todas as manhãs me acordo com igual sentimento, o de que as horas aglutinam esperanças inigualáveis". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 05/01/2022 às 6:15
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Todas as manhãs me acordo com igual sentimento, o de que as horas aglutinam esperanças inigualáveis. A claridade desperta como se a luz recriasse um novo Eu. Abraço o ato do alvorecer, imbuída do ânimo da renovação. Nada parece ofuscar a imensidão do mundo. Há uma efusiva interioridade que me leva a amar intensamente os segundos. De um lado para o outro, as dimensões de otimismo se alargam. Levanto-me renascida, o raiar do dia me oferta um impacto que não consigo explicar. O quarto, ainda às escuras, cortinas fechadas guardam as brechas das anteriores sombras. Não sei as horas do instante. Sequer desejo adivinhar. Necessito ouvir os segredos da alma. E, aos poucos, vou me aconchegando à realidade do dia.

Corro até à janela. Avisto o mundo. A paisagem me permite ir além de onde estou; sigo os caminhos da imaginação e me exalto diante dos enigmas circundantes. Tudo parece diferente, afinal, o tempo passou, o relógio seguiu a rotina, sequer o avisto; não preciso deter-me em concretudes. Basta-me o consolo da claridade. Então, enxergo para além de mim, como se as sutilezas invadissem o pensamento e as indagações dilatassem a incerteza da descoberta do dia.

As flores do campo da infância rebentam com força maior. Sou lunar, porém, as razões do despertar me encantam: uma ruptura que alerta para a vida. Amanheci. É hora de abrir os olhos e acreditar nas intensas luzes que clareiam a vida. As noites acalmam; as manhãs excitam. Lados opostos, que sacolejam as frações de minutos. Nunca sei o que dizer à bravura da nitidez; opto por me oferecer por inteiro à consciência ainda retraída. Nada impede de inventar fantasias, tantas e tantas que às vezes fundo-me a realidade com o imaginário. Melhor assim. Enquanto a vaga melodia sussurra segredos e mais segredos, entrego-me completamente à ilusão do que sou. Há tanto a dizer que, por vezes, fundo-me com o Eu da humanidade. Não posso negar: sou múltipla diante dos excessos que me encharcam à luz do dia. Tudo emerge em desabafos; brota um riso nos lábios a exaltar o espetáculo em pauta. Não traço planos antecipados. O amanhecer dilata o ânimo com excesso de possibilidades. Os sonhos se ampliam na doce imagem de um coração rejuvenescido, quase infantil, pureza de um tempo que começa docemente com o afago de mais um renascer. Bom dia.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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