Em dúvida, não duvide

Afora a máxima-aqui-título, Millôr gerou as primas: 'Em dúvida, tente o contrário'; 'Em dúvida, não se meta' (esta, para o "meu poodle Igor, um ser humano como outro qualquer"). A primeira, já em minha memória há tempos. As outras duas, do 'Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr'. A mexida no baú me veio da provocação de um dos meus eventuais leitores, desafiando-me a explicitar propostas ("o fazer"). A máxima-título me parece mais apropriada ao fato de que "a realidade brasileira está cada dia mais inacreditável" (Millôr, A Bíblia do Caos) - retomando-se 'constatação' de há pelo menos três décadas. A perenidade tupiniquim...

Ora, direis, ouvir propostas... Mesmo que, na atual zoeira, propostas possam nem ser notadas, arrisco-me ao que cabe aqui: temas atinentes ao que há décadas grita por adequado tratamento; aspectos bem sabidos, elencados por oito ou nove entre dez economistas de diferentes afiliações ou preferências políticas. I, manutenção de estabilidade econômica e combinação dos vetores monetário, cambial e fiscal - macroeconomia básica, para crescimento sustentado. II, políticas ordenadas de reconstrução/expansão de infraestrutura e logística (energia, transporte, comunicação, rodovias, portos) - com recursos do Estado e do setor privado. III, estratégia nacional de consolidação da abertura para o Exterior (comércio, finanças, investimento direto, ciência e tecnologia, inovação, cultura). IV, recuperação da via de investimentos e gestão para redução/eliminação do atraso educacional do país, partindo da raiz (primeiros anos de escola e todo o ensino básico), com visão prospectiva; e, no imediato, recompondo-se o sistema de avaliação, com foco em efetiva melhoria da qualidade da educação. V, recomposição do ambiente de negócios, com vistas a atrair investimento privado, eliminando-se incertezas jurídicas e improvisação nas regras do jogo. Ou seja, como sempre enfatizado nesta coluna, atenção para o vetor instituições 'econômicas, políticas, jurídicas, sociais'. Ter em conta a correlação positiva entre boas instituições e desenvolvimento, o que em boa parte explica o diferencial entre países que avançam e países que rastejam. Desdobrar tais propósitos em ações efetivas requer boa governança, liderança, concertação política. Não duvide: aí está nosso maior obstáculo, hoje. Urge termos pacificação, reconstrução. Outubro 2022 precisa nos trazer lideranças políticas capazes de pôr o guizo no gato. Nós, o povo, devemos demandar decência, compromisso, responsabilidade, determinação. Democracia.

Duvido. Mas, resisto.

Tarcisio Patricio, economista e professor aposentado (UFPE)

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