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Opto pelo aconchego da dúvida e da interrogação

"Não desejo definir-me, nunca me atrevi. Seria a pior maneira de conhecer-me". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 19/01/2022 às 6:15
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Vivo no gerúndio, sendo, sendo, sendo... Talvez a forma mais intensa de perceber os Eus que me envolvem. Não desejo definir-me, nunca me atrevi. Seria a pior maneira de conhecer-me. Opto pelo aconchego da dúvida e da interrogação. Quantas vezes recuo para lançar-me em outros tempos, uma forma de compreender-me à luz de épocas longínquas e indefinidas! Fujo de conceitos ou de determinações únicas. Impossível traçar o retrato interior, corresponderia ao aplauso das ilusões. Pouco sei sobre o que se esconde na minha mente; guardo, com bastante prazer, o sentimento da indefinição. Que a humanidade abrace o acúmulo de variantes sem receio de enfrentá-las. Somente por meio de uma intensa procura, serei capaz de ajustar-me às infinitas apreensões. Cada instante me elege sob a égide da incoerência: desejos opostos em confronto. O aconchego da hesitação se traduz em ocultos enigmas.

Jamais me contentei com excesso de afirmações. Há em mim um mutirão de perplexidades. Ainda bem. Somente por intermédio dos contrastes, conseguirei ir adiante, como se a grande estrada se apresentasse plena de recônditos mistérios. Urge que cada um atinja as próprias ambivalências. Caminhar é prosseguir em oposições que se agigantam ao longo da vida. Não esmoreço diante do que não sei. Pelo contrário. Avanço na medida em que almejo alguma coisa, pouco importando os inúmeros travessões. Trago o excesso de desassossego. Talvez a vontade de evoluir necessite de múltiplas diversidades. Retornar indica o clamor de uma excitante busca. Careço de plenas e complexas inspirações. As encruzilhadas alimentam a vontade de viver. Não sei quem sou e nem quero saber. Por favor, não me digam. Necessito apreender-me lentamente, sem pressa, como se cada minuto definisse um enigmático retrato.

O silêncio me agrada pela sua inatingível verdade. Jamais optei por fáceis traduções. Cada palavra possui significados que sequer se encerram em si mesmos. Hei de alcançar a virtude do infinito, assim, caminharei por entre obstáculos jamais traduzidos, ainda que eternos na sua misteriosa dimensão.

Os sons se elevam e se acalmam em um êxtase que engloba todas as ansiedades. Cobiço aspirações para além do que posso concebê-las. Assim sendo, vou e volto com tamanha circularidade que jamais conseguirei alcançar o íntimo da minha usura. Continuarei perdida na estrada do tempo.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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