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"A confiança entre cidadãos e nas instituições é condição para o desenvolvimento econômico e o bem-estar social"

Artigo de Valdecir Pascoal, conselheiro do TCE, sobre a perda de confiança das pessoas nas instituições brasileiras

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VALDECIR PASCOAL

Publicado em 22/01/2022 às 22:18 | Atualizado em 22/01/2022 às 22:44
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A escuridão da hora veio a lume neste janeiro com um estudo divulgado pelo BID sobre o nível de confiança entre as pessoas na América Latina e Caribe (ALC), em que transparecem os tristes números do Brasil. Apenas 5% da população diz que confia nos outros, contra 13% na ALC e 42% nos países mais desenvolvidos que formam a OCDE.

Surpreso com o padrão generalizado de desconfiança do brasileiro, pensei que pudéssemos padecer de uma espécie de Transtorno Social de Personalidade Paranoide. Foi aí que lembrei de outra pesquisa recente feita pelo Datafolha sobre o grau de confiança em nossas instituições. Todas elas – os três Poderes, Min. Público, Partidos, Imprensa, Forças Armadas, Empresas, Redes Sociais – perderam confiabilidade em relação a medições anteriores. A rigor, existe coerência entre as pesquisas BID e Datafolha. As instituições não existem por si mesmas, são feitas por pessoas. Se há desconfiança entre as pessoas, haverá sobre as instituições.


Cientistas sociais, historiadores, antropólogos e psicólogos podem aprofundar as causas do nosso desacreditar sistêmico. Os estudos, porém, permitem algumas leituras. A confiança entre cidadãos e nas instituições é condição para o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. O que diferencia os países da OCDE, por exemplo, é a melhor educação, a menor desigualdade, a melhor qualidade da democracia e dos níveis de accountability (transparência, prestação de contas e controles), a capacidade de inovação, a consciência climática e a segurança jurídica. Aqui, às tradicionais mazelas, some-se o retrocesso na transparência, destacando o “orçamento secreto", o calote dos precatórios, o enfraquecimento dos controles e do combate à corrupção, a baixa produtividade pública e privada, sem esquecer as promessas eleitorais não cumpridas e a falta de um projeto de país capaz de diminuir o hiato entre a realidade e o ideal constitucional.


Superar a escuridão não é simples. Em meio a tantas pedras, restam dois caminhos: acomodar-se com o destino de nossos tristes trópicos vaticinado por Lévi-Strauss – “O Brasil vai passar da barbárie à decadência sem conhecer a civilização"; ou agir com a esperança humanística imaginada neste diálogo: Gandhi: – A mudança está em cada um. Seja a mudança que você deseja para o mundo; Thiago de Mello: – Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem... Que o homem confiará no homem como um menino confia em outro menino. Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar e os girassóis se abrirão dentro das sombras.

Valdecir Pascoal, conselheiro do TCE

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