OPINIÃO

O clichê e a crítica

Artigo do professor Flávio Brayner, da Universidade Federal de Pernambuco

FLÁVIO BRAYNER
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FLÁVIO BRAYNER
Publicado em 26/01/2022 às 6:07
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Meus colegas sabem de minha posição a respeito dos batidos CLICHÊS que povoam o discurso educativo. O clichê não é um simples vício de linguagem, recurso retórico que usamos para conquistar um auditório que, de antemão, já sabemos sensível a um certo léxico. O clichê mostra que não estamos mais pensando a realidade, refletindo sobre "aquilo que nos acontece".

Uma realidade em vertiginosa mutação é algo perturbador em todos os sentidos, inclusive psicológico, e como nossa relação com a realidade passa pela linguagem (o único e frágil recurso de que dispomos para nos assegurar de que aquilo que dizemos do real tem sentido e significado!) é nela onde nos apoiamos para nos sentirmos num mundo que ainda guarda certa familiaridade, ou cairíamos numa completa esquizofrenia.

O clichê entra aqui, como recurso para que a realidade, mesmo uma realidade que não cabe mais nos nossos conceitos, ainda seja familiar, dominável e, para os educadores "progressistas", transformável. O clichê nos tranquiliza, dizendo-nos que nossos velhos conceitos ainda servem, que o mundo não é um lugar nem estranho nem absurdo, ou que o projeto de mudança continua de pé com as categorias que conhecemos e simpatizamos. É um recurso mais emocional do que epistemológico, oferece serenidade mais do que conhecimento.

Já a CRÍTICA é um exercício que nos coloca sempre numa posição sensível: na crítica eu estou dizendo que o mundo não é o que deveria ser, ela é arma de contestação e desejo de utopia. Nela reside um protocolo de desvelamento da realidade, que supõe que há sempre "algo por trás das aparências do real", mas não é todo mundo que consegue ver (há os "alienados" vítimas, digamos, da ideologia dominante): a Verdade, em sua origem, seria aristocrática, não é para todo mundo e só se democratiza se fizermos uma revolução esclarecedora (a ideia de "consciência de classe", por exemplo).

O sociólogo Peter Berger achava que não era bem assim: ideológico era o hábito que nós tínhamos de responder a novas realidades com velhas noções. É esta incapacidade de inventar uma nova linguagem que danifica o pensamento pedagógico e, aqui, a crítica teria que assumir menos o papel do DESVELAMENTO DO REAL do que o da REINVENÇÃO DA LINGUAGEM onde pudéssemos nos redescrever como subjetividade e redescrever os sentidos que damos ao mundo. O clichê não permite isto!

Flávio Brayner, professor Titular da UFPE

 

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