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A cloroquina da economia

''A pandemia de covid-19 recolocou em voga a discussão sobre o tamanho do Estado''. Confira o artigo da procuradora Dayana de Moura Borges

JC
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Publicado em 26/01/2022 às 0:00 | Atualizado em 26/01/2022 às 10:13
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
ECONOMIA A taxa de juros é um dos fatores que elevam a inflação - FOTO: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Quanto à tributação, nosso sistema é fortemente regressivo, pois praticamente metade da carga suportada pelos contribuintes refere-se a impostos sobre consumo, os quais atingem em cheio a população carente, que transforma em compras quase tudo que ganha. De fato, em 2019, enquanto 43,3% da carga tributária recaiu sobre consumo, apenas 22,45% e 4,64% incidiram sobre renda e propriedade.

Já sob a ótica da despesa pública, a pretexto de estabelecer uma cultura de disciplina fiscal de longo prazo e de austeridade nos gastos governamentais, o Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional 95/2016) acarretou cortes em saúde e educação e represou os investimentos públicos por 20 anos, desconsiderando o crescimento do PIB e da população e o aumento da demanda por serviços públicos. Nessa linha, com a implantação do NRF, os investimentos passaram de 1,04% para 0,78% do PIB entre 2016 e 2019, atingindo um dos menores níveis da última década. Além disso, o DIEESE realizou estudo simulando a aplicação das regras do NRF entre 2002 a 2015 e concluiu que teria havido diminuição de 47% dos gastos totais com saúde e educação, o que representaria corte de R$ 377,7 bilhões em tais setores.

A pandemia de covid-19 recolocou em voga a discussão sobre o tamanho do Estado e a tese de Keynes de que a mão invisível do mercado (Adam Smith) não basta para resolver crises econômicas agudas, as quais demandam uma política fiscal contracíclica, de elevação temporária de gastos públicos e de indução ao consumo, priorizando a população vulnerável, a fim de viabilizar a retomada do crescimento econômico.

Não por acaso, até o ortodoxo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2011, reconheceu que os efeitos das contrações na economia são ainda mais contracionistas e prolongam as recessões sem gerar a esperada poupança fiscal. Já em 2017, o FMI registrou que as regras fiscais devem apoiar ou, ao menos, não obstar a capacidade de a política fiscal cumprir suas três principais funções, quais sejam, suavizar o ciclo econômico, estimular o crescimento a longo prazo e promover inclusão.

Nesse cenário, ao tratar a crise econômica iniciada em 2015 com uma severa política de austeridade que perdurará até 2036, o NRF pode ser equiparado à cloroquina da economia, remédio sem eficácia comprovada e que possui graves efeitos colaterais.

Dayana de Moura Borges, procuradora do Estado de Pernambuco

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