Quem diria que em pleno 2021, depois de alguma aparente diminuição das injustiças sociais e melhoria na distribuição da renda, o Brasil seria assolado novamente pela fome? Milhares famílias em filas de distribuição de ossos ou lutando por alimentos vencidos, outras tantas revirando lixo para ter o que comer e ainda pais e mães de família presos por furto de comida. Além da inflação, que corroeu o poder de compra dos mais vulneráveis e de cada vez menos proteção do Estado Brasileiro, com Bolsa Família cada vez menos acessível ao longo do ano, Auxílio Emergencial pífio e Auxílio Brasil atendendo ainda menos brasileiros em vulnerabilidade social. Para completar mais de 1.550 agrotóxicos, alguns proibidos mundo à fora, devidamente liberados nas plantações brasileiras. Plantações, aliás, que lucram como nunca, num desequilíbrio de renda estarrecedor.
Enquanto o Datafolha apontou que 37% da população de baixa renda não teria comida suficiente para alimentar todos os membros da família nas ceias de fim de ano, o agronegócio celebrou recorde de exportação: US$ 102 bilhões. Uma centena de famílias do agronegócio lucrando em dólar enquanto mais de 28 milhões de brasileiros vivem, atualmente, abaixo da linha da pobreza. Para estes restou as ações solidárias, prática na qual o brasileiro sempre foi amistoso e solícito. Além de campanhas nacionais como Mães da Favela, Brasil Ação da Cidadania e o Natal Sem Fome do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em Pernambuco, o Centro Sabiá doou cerca de 280 toneladas de alimentos advindos da agricultura familiar, além de itens de higiene como sabão e álcool e mais de 17.000 máscaras de proteção, em ações de entregas de Cestas Agroecólogicas durante a pandemia. Um total de 7.415 lares beneficiados, 32.844 pessoas protegidas, 11 municípios atendidos. Enquanto as organizações fizerem o que é obrigação do Estado Brasileiro garantir, fica a reflexão sobre a importância dos alimentos saudáveis, como os do MST e Centro Sabiá, que podem ser um caminho para diminuir a fome e gerar emprego e renda no campo, sem desequilibrar o meio ambiente: na chamada "agroecologia" se planta respeitando a cultura local e suas famílias, os biomas de cada região, a natureza de cada alimento e de quem vai consumi-lo.
Se o começo do ano é tempo de reflexão e planejamento, precisamos urgentemente agir para reverter o quadro de fome no Brasil, afinal a vida e dignidade humana devem ter sempre prioridade; nesse sentido não é possível deixar de alimentar seu povo para exportar tudo que se planta neste país. Não faz sentido um mundo alimentado pela comida brasileira e o povo brasileiro com fome.
Alexandre Henrique Pires, coordenador geral do Centro Sabiá e integrante da Coordenação Executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)