Bolsonaro não merece tolerância

O nazista - todo nazista -é implacável em sua marcha cruel, por opção, vocação e desejo. Nessa escala de maldades, que inclui os seres maus do cotidiano de nossas vidas, existe também, é claro, Bolsonaro.

JOÃO HUMBERTO MARTORELLI
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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI
Publicado em 24/02/2022 às 0:00 | Atualizado em 24/02/2022 às 8:03
ISAC NÓBREGA/PR
PL de Valdemar Costa Neto perdeu filiados após chegada de Bolsonaro - FOTO: ISAC NÓBREGA/PR
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A questão pode ter, e tem, relevantes contornos filosóficos e políticos. Embora colocada por alguém aparentemente inculto e deslustrado, um entre tantos idiotas que povoam o universo imbecilizado da internet, teve repercussões na intelectualidade, na academia, na mídia, nos foros das grandes inteligências do país, o que, é verdade, não é grande coisa, mas o fato é que foram vistos e ouvidos sobre o assunto. Impressionou-me a opinião de Hélio Schwartsman, talvez o mais lúcido, inteligente e culto articulista da imprensa nacional.

Em seu artigo na Folha de 10 de fevereiro, sustentou - proclamando, em autodefesa a meu ver pueril, ser judeu - que a liberdade de expressão é ilimitada, estabelecendo uma diferença não razoável entre aquele que defende e aquele que pratica ideias nazistas. E alega que o Estado não tem o poder de decidir quais são os discursos aceitáveis e quais não são, caso em que, segundo ele, tolerar opiniões ofensivas se torna um efeito colateral, mas inafastável. Nada mais falso. O Estado, como expressão coletiva dos valores da comunidade, tem o poder-dever de coibir as manifestações contrárias a tais valores, desde que nos termos da lei. Não por outra razão, no Brasil, existe lei proibindo a apologia do nazismo, o racismo é criminalizado, a homofobia também. Sendo o nazismo plataforma ideológica de conteúdo racista, xenófobo, homofóbico, misógino, antidemocrático, não há como admitir sua apologia. A experiência nazista - quanto me custa escrever para rebater o óbvio, mas, enquanto houver imbecis (não incluo Schwartsman entre eles por respeito retroativo) defendendo premissas como essa, é indispensável fazê-lo à exaustão - matou não apenas milhões de pessoas, soterrou a esperança de um mundo bom.

Curioso que o articulista, do alto de sua intelectualidade, tenha passado ao largo - enquanto se fiou em decisão da Suprema Corte americana que liberou a apologia do nazismo, mas não a sua prática - do paradoxo de Popper, segundo quem, no meio social, a tolerância desmedida (leia-se aqui a liberdade de expressão ilimitada) pode levar ao desaparecimento da tolerância, salvo quando a intolerância se mostrar razoável em bases lógicas e, ainda assim, com afastamento dos punhos ou pistolas, hipótese que não se aplica ao nazismo, para cujos seguidores o uso da força e o aniquilamento dos opositores é premissa do ideário.

A experiência nazista - e, concedo, a experiência stalinista, que, para mim, foi nazista também - deveria ser de per suficiente para enterrar a discussão. Proust, em sua infinita sabedoria poética, diz que existem os homens brutos e insensíveis, que não se preocupam absolutamente com a nossa vida, e os homens que, embora nos possam magoar, porque não somos bons o tempo todo, algumas horas depois voltam compreensivos, simpáticos, e se reconciliam. O nazista - todo nazista - é do primeiro tipo, implacável em sua marcha cruel, por opção, vocação e desejo. Nessa escala de maldades, que inclui os seres maus do cotidiano de nossas vidas, existe também, é claro, Bolsonaro. Nenhum deles merece tolerância.

João Humberto Martorelli, advogado

 

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