OPINIÃO

Domitila, a nossa Miss Alemanha, nasceu para ser dona do seu destino

A beleza é um somatório de ideias e ações capazes de mudar o mundo na direção de uma utopia concreta: mais liberdade, educação, equidade, justiça e um mundo em comunhão com a natureza.

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GUSTAVO KRAUSE

Publicado em 24/02/2022 às 12:15
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Domitila não é um nome de batismo usual das mulheres. No Brasil, duas “Domitila” fizeram história.
A primeira, filha da tradicional família paulista Castro Canto e Melo, inscreveu seu nome na longa lista das amantes do Imperador Pedro I, famoso entre outras proezas, pela incontrolável atração pelas mulheres. Foram incontáveis casos extraconjugais, suportados pela Princesa Leopoldina, inclusive o rumoroso relacionamento com a dançarina Noémie de Thierry.


Nada comparável, porém, à paixão do Imperador pela Domitila de Castro, inserida na nobreza de então, como Marquesa de Santos, tratada pelo amante de “Titila”. O desgosto familiar e as crises políticas deram outro destino à marquesa cujo segundo casamento durou 24 anos. No primeiro, com 15 anos de idade, sofreu, durante 11 anos, a rudeza de violência doméstica do marido, o alferes Felipe de Mendonça.


A outra Domitila, 38 anos, não veio ao mundo para ser a “outra”. Nasceu para ser dona do seu destino. E lhe reservou um papel histórico transformador. Recebeu o nome de brava sindicalista boliviana – Domitila Barrios - que visitou o Brasil e não passou despercebida pela estagiária de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco, Roberta que, com anuência do marido, Ademilson, batizou a filha com idêntico nome da visitante.
Ao ser eleita Miss Alemanha, disse: “O meu nome já veio com toda força ‘de com força’ como a gente diz lá no Recife”. Os critérios para concessão ao título de “Miss” nada têm com as curvas do corpo, as linhas perfeitas do rosto, ou as polegada a mais que “derrotaram” Marta Rocha. A beleza é um somatório de ideias e ações capazes de mudar o mundo na direção de uma utopia concreta: mais liberdade, educação, equidade, justiça e um mundo em comunhão com a natureza.


Esta é a prática e a razão de viver Domitila que, na ONG – Centro de Apoio Para Meninos e Meninas, sonhada e fundada pela mãe faz 40 anos, com apoio de uma pesquisadora suíça, gestou aos treze anos a freiriana precoce com método pedagógico definido como artivismo: arte e diversidade cultural como instrumentos de transformação das sociedades onde vivem.


Ela vem da periferia do Recife – A linha do Tiro. Criado no subúrbio (bairro da Torre), vizinho de comunidades muito pobres, fui socialmente miscigenado, afetivamente integrado e, mais tarde, como Prefeito, responsável por uma gestão transformadora, razão pela qual a periferia e suas carências não saíram e de dentro de mim. Infelizmente, a desigualdade estrutural permanece separando a cidade dual. É o que sufoca e mata pessoas e potencialidades.


Ela, rompeu com as adversidades que a escravizavam e condenavam. Carrega uma força crescente e um luminoso ideal de mudar mundo. Seguem algumas palavras sábias e mobilizadoras: “Sou uma diplomata de minha realidade social e cultural” (fala quatro idiomas) e na primeira viagem “fui somente com o básico que aprendia e estudava em meu trabalho de babá”.


“Não a gente já tem e sim a gente corre atrás mesmo (Domitila dá uma enorme valor à formação acadêmica “um privilégio restrito”); “Minha autoestima sempre foi muito baixa: ‘perebenta e do cabelo pixaim’”; “A pereba sarou e o que ficou de lição, a cicatriz”. “Amo aprender e crescer com a comunidade virtual de forma orgânica e bem particular”. “Estou disposta a entrar nessa aventura que é criar um mundo mais justo e sustentável”


Participou da telenovela mais famosa e polêmica da Alemanha (mais de 7.330 capítulos exibidos); sofreu e superou a “síndrome de Bournot”. Foi modelo profissional, mas somente se inscreveu no concurso de miss Alemanha quando foram desconstruídos os parâmetros da “beleza exterior”.
Domitila Barros é única: tem beleza por fora e muita beleza por dentro.

Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco



 

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