OPINIÃO

"Ninguém, aqui, defende Putin. Mas devemos reconhecer que sua posição estratégica faz sentido"

Como a de Kennedy fazia. Diferente é que, na primeira crise, os dois lados recuaram. Agora, não. Ao horror dessa guerra, ninguém é inocente.

José Paulo Cavalcanti Filho
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José Paulo Cavalcanti Filho
Publicado em 18/03/2022 às 0:00 | Atualizado em 18/03/2022 às 12:00
ARIS MESSINIS / AFP
Rússia tem avançado com os ataques bélicos contra a Ucrânia - FOTO: ARIS MESSINIS / AFP
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Para Pessoa (O Marinheiro), "Falar no passado - isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta pena". Talvez não seja tão inútil. Em 1/1/1959, os guerrilheiros de Fidel Castro desceram da Sierra Maestra e tomaram Havana. Os EUA, pelo apoio dado por décadas a Fulgêncio Batista, haviam perdido um aliado. Com o embargo comercial que promoveram, a ilha passou a depender da União Soviética. Era a Guerra Fria que começava. Em novembro de 1961, os Estados Unidos instalaram, na Turquia, 15 mísseis nucleares Jupiter. E mais 30, na Itália. Com alcance de 2.400km, podiam atingir Moscou, o que não era possível desde o território americano.

A URSS vivia período hoje conhecido como "Desestalinização". Entendeu ter direito a um troco. E, em 14/10/1962, aviões V2 americanos fotografaram, na região de São Cristóvão, a construção de bases para ogivas nucleares. Ameaça grave, que dali podiam facilmente atingir Nova Iorque. Como resposta, os americanos planejaram invadir Cuba. Que jamais permitiriam mísseis tão perto. E Kennedy, preventivamente, decretou um Bloqueio Naval nos mares próximos. Com apoio da OTAN. Contra todas as regras do Direito Internacional.

Os navios mercantes de Kruschev, com as primeiras ogivas nucleares, foram interceptados. Seriam afundados, caso não voltassem. Começaram as negociações. E um acordo foi feito. A URSS não instalaria os foguetes em Cuba. E os Estados Unidos prometiam não invadir a ilha. Fosse pouco, também retirariam seus foguetes nucleares da Turquia.

A guerra nuclear do futuro não se fará com espingardas ou tanques. Mas pelos ares, com o arsenal nuclear. Hoje, a Rússia tem 5.977 ogivas, contra 5.550 dos EUA. Ocorre que disparados a longas distâncias podem ser interceptados. Por isso a Ucrânia ocupa um espaço físico estratégico. Que os atuais foguetes nucleares americanos, Cruisse e Pershing II, estão longe. E podem ser interceptados. Diferente do que se daria caso estivessem na Ucrânia.

Não se pode, nem deve, apoiar qualquer guerra. E ninguém, aqui, defende Putin. Mas devemos reconhecer que sua posição estratégica faz sentido. Como a de Kennedy fazia. Diferente é que, na primeira crise, os dois lados recuaram. Agora, não. Ao horror dessa guerra, ninguém é inocente. Como escreveu Miguel Souza Tavares (Jornal Expresso), "A coragem está na paz, não nos falsos heroísmos". E, se comecei com Pessoa, vou terminar com ele (Álvaro de Campos, Ode Marcial): "Tudo misturado com corpos, com sangue/ Tudo num só rio, uma só onda, um só arrastado horror". Que o bom senso prevaleça. Antes que seja tarde.

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

 

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