OPINIÃO

A verdade não prescreve

O certo é que a história é feita de hipóteses, contradições e falsas narrativas para que se acomodem à sua própria glória. A maioria das peças genuínas ou originais é deitada no lixo e será sempre difícil encontrar alguém disposto a sujar as mãos para recolher o que foi desperdiçado.

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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER

Publicado em 27/03/2022 às 8:57 | Atualizado em 27/03/2022 às 9:00
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Marco Bellocchio, autor do roteiro e diretor de “Vincere”, filme lançado em 2019, é o que ainda resta da geração de cineastas da década de 50 que valorizavam a inteligência e a criatividade, caso de Visconti, Pasolini, Vittorio De Sica.


O filme tenta revelar a breve epifania matrimonial entre Benito Mussolini e Ida Irene Dalser. O fato é que ao subir ao poder em 1922, o casamento do líder fascista foi se deteriorando. Culminou no repúdio oficial de Ida e do filho do casal – Benito Albino. Foram confiados por Mussolini às autoridades policiais para fins de controle permanente.


A gota d’água foi a divulgação por Ida de que o líder fascista havia aceitado suborno do governo francês em troca de apoio político à participação da Itália na guerra ao lado da França. Dalser foi imediatamente confinada numa cela do manicômio “Pergine Valsugana”, sob administração da Igreja e separada definitivamente do filho. Esbulhada da sua liberdade, passou a escutar o riso doentio das freiras quando repetia, de forma desesperada, que era a esposa legítima de Mussolini. Todavia, Ida sempre teve consciência de que “a verdade não prescreve”.


O certo é que a história é feita de hipóteses, contradições e falsas narrativas para que se acomodem à sua própria glória. A maioria das peças genuínas ou originais é deitada no lixo e será sempre difícil encontrar alguém disposto a sujar as mãos para recolher o que foi desperdiçado.
Por tudo isso, as dúvidas permanecem: Ida era uma mulher que apenas precisava nutrir a “vontade de poder” - algo imanente ou inerente à condição humana?; tinha horror à impunidade e à mentira?; o amor pelo marido era algo real?


Extrai-se, dessas considerações, alguns arremates apressados: a figura de Mussolini permanece incólume. Apenas perdeu peso e musculatura. Numa noite qualquer, os homens voltarão ao antigo pesadelo: o ressurgimento do fantasma do líder fascista no formato de um escaravelho, agora com novas facetas ou mutações. Basta que a esperança de muitos seja enfraquecida e que o medo se instale como uma pandemia. Afinal, as democracias do presente possuem uma forte aptidão para tornar as pessoas estúpidas, ignorantes e vulneráveis à mentira política.


Todavia, a surrada frase de Churchill ainda é atual: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Mas Chomsky tinha razão quando afirmou que “ninguém consegue nada de forma solitária, além de queixar-se”.


Dayse de Vasconcelos Mayer é advogada.

 

 

 

 

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