Historicamente, lavar as mãos salva vidas
É a história do pioneiro da antissepsia, já que, um dos principais armamentos que ora utilizamos no enfrentamento do também invisível SARS-Cov-2 é, justamente, a trivial higienização das mãos.

Lendo o recém publicado opúsculo do confrade da Academia Sergipana de Medicina, William Soares, Semmelweis: a saga de um herói”, fica patente que o alerta da importância do hábito de lavar as mãos, no contexto da prática médica cotidiana, remonta a170 anos, na Faculdade de Medicina de Viena, considerada a melhor da época, talvez pelo pioneirismo do ensino à beira do leito e do incentivo aos médicos e aos estudantes de Medicina, que frequentavam o colossal Hospital Geral da capital austríaca, à prática de dissecção cadavérica visando compreender o mecanismo evolutivo das doenças. Nos idos de 1847, ocupava a vaga de médico assistente da Primeira Clínica Obstétrica do referido nosocômio, o húngaro Dr. Ignaz Philipp Semmelweis, que ficou intrigado pela elevada taxa de Febre Puerperal, a qual ceifava a vida de uma em cada três parturientes de sua enfermaria. Um acontecimento chamou a atenção do arguto esculápio: a morte de um colega, acometido por uma moléstia idêntica à que matava as pacientes na maternidade, dias após de haver sofrido um pequeno corte na mão, ao auxiliar um inexperiente estudante durante uma necropsia. Dr. Semmelweis constatou que na Segunda Divisão Obstétrica, onde não trabalhavam médicos nem estudantes e os partos eram realizados por parteiras que não frequentavam as salas de necropsia, ocorriam, significativamente, menos mortes pela nefasta Febre Puerperal. Baseado nestes dados irrefutáveis, Dr. Semmelweis concluiu que a doença não decorria de nenhuma epidemia natural e sim da transmissão de “partículas cadavéricas invisíveis”, por meio das mãos daqueles que acabavam de realizar necrópsias e se dirigiam, diretamente, para as salas de parto.
Objetivando testar a hipótese de que as contaminações poderiam ser evitadas pela destruição química da matéria patogênica, Dr. Semmelweis determinou que todos, antes de entrarem nas salas de parto, fossem obrigados a lavar as mãos com uma solução de ácido clórico, fazendo despencar a mortalidade de puérperas, de 18,27% em abril de 1847, para 1,26% no ano seguinte. Apesar da evidência, os seus protocolos de prevenção não foram apoiados por seus colegas, que as consideravam “despropósitos especulativos”. Lamentavelmente, o herói não teve a oportunidade de presenciar o reconhecimento acadêmico do seu legado, ocorrido em 1879, após a identificação, por Louis Pasteur, que o agente “invisível” responsável pela Febre Puerperal era uma bactéria.
É a história do pioneiro da antissepsia, já que, um dos principais armamentosque ora utilizamos no enfrentamento do também invisível SARS-Cov-2 é, justamente, a trivial higienização das mãos. Finalizo ressaltando que lavar as mãos, salva vidas!
Antônio Carlos Sobral Sousa, professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação