A fala tentadora do ministro Barroso vai de encontro aos princípios do Estado de direito em democracias
Não sei o que significa democracia para esse magistrado, mas democracia contemporânea é democracia liberal. Não existe democracia sem Liberalismo (a defesa incondicional das liberdades civis e políticas). Não existe democracia sem separação dos poderes. Não existe democracia sem limites de poderes.
Impressionou a todos os conscientes políticos a fala do ministro do STF e do TSE, Luís Roberto Barroso, em evento político com a deputada Tábata Amaral (PSB) dias atrás. O juiz da suprema corte brasileira e do tribunal que regulamenta as eleições no país, assim falou no debate realizado na Universidade de Harvard: “é preciso não supervalorizar os inimigos. Nós somos muito poderosos. Nós somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem”. Não sei o que significa democracia para esse magistrado, mas democracia contemporânea é democracia liberal. Não existe democracia sem Liberalismo (a defesa incondicional das liberdades civis e políticas). Não existe democracia sem separação dos poderes. Não existe democracia sem limites de poderes. E a fala em destaque é um claro sinal de politização do Judiciário com inclinação ao progressismo e a simpatia aos adversários do Presidente da República. Uma clara invasão no campo da parcialidade.
Não há poder “do bem” contra o poder “do mal”. O que há são instituições que devem ser freadas pelas instituições. Ou seja, poder limita poder. Funções limitam funções. O resto é retórica política com fins partidários/ideológicos.
O Liberalismo que dá o alicerce à democracia como mecanismo de escolha dos representantes e do governo (poderes executivo e legislativo), é a doutrina do Estado limitado em seus poderes e em suas funções. O primeiro diz respeito ao Estado de direito, o segundo ao Estado mínimo.
O que vemos hoje na ótica de boa parte da magistratura brasileira, é que o Estado como limite dos poderes e de suas funções deve ser deixado de lado, chegando ao máximo de uma rede social que limita a liberdade econômica e de iniciativa, deixando a propriedade privada sem garantias institucionais. Prevalece o Judiciário como instância de poder superior – o que pode ser visto na fala do Barroso – o que leva a entender (equivocadamente, é claro) que o Poder Judiciário está acima dos outros dois poderes e dos indivíduos.
A fala tentadora do ministro Barroso vai de encontro aos princípios do Estado de direito em democracias. O Estado próprio da doutrina liberal no qual encontram-se os mecanismos constitucionais que impedem, ou tornam muito difícil, o abuso do poder. Esses mecanismos são: a. o controle do Poder Executivo por parte do Poder Legislativo; b. o eventual controle do Legislativo por parte de uma corte jurisdicional a quem se deve a garantia da constitucionalidade das leis; c. uma relativa autonomia do governo local em respeito ao governo central; e d. UMA MAGISTRATURA INDEPENDENTE DO PODER POLÍTICO.
Portanto, um Poder Judiciário independente deve ser despolitizado e vinculado à constitucionalidade das leis, garantindo o exercício regular do Poder e controlando a corrupção nas instituições (incluindo o próprio Judiciário). Deve ser imparcial e totalmente frio na aplicação da letra da lei.
O que vimos no comportamento de Barroso foi um total desprezo à democracia e não a sua garantia. Vimos uma soberba ímpar e superlativa incompatível com o Estado de direito democrático e com o próprio exercício da democracia como a entendemos na contemporaneidade.
Não à toa, são cotidianas as agressões à Constituição por boa parte dos magistrados brasileiros, com destaque aos do STF, principalmente aos apoiadores do atual Presidente do Brasil.
José Maria Nóbrega, cientista político e professor universitário