Não há democracia sem liberdade e o STF precisa levar isso em conta
O direito à vida, à liberdade, aos bens possuídos através do trabalho e a livre busca pela felicidade individual deveriam ser garantidas e respeitadas pelo estado.
Quando a gente pensa que a democracia está avançando no Brasil, vem uma ação desproporcional da suprema corte e coloca tudo a perder. Democracia é um conceito polissêmico, mas na contemporaneidade o seu componente liberal é fundamento da teoria da democracia.
O Estado Liberal tem a sua base na teoria dos direitos naturais que surgiu com as ideias do jusnaturalismo. Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau são os expoentes dessa escola. Também conhecidos como contratualistas – para eles a sociedade civil ou política surgiu com um pacto social no qual os indivíduos perdiam parte de sua liberdade para a garantia de sua segurança –defendiam que os indivíduos tinham certos direitos inatos que, na ausência de um ente que garantisse tais direitos, estavam ameaçados por uma realidade perversa de guerra de todos contra todos (Hobbes), ou sofrendo as intempéries da imprevisibilidade do estado de natureza (Locke), ou pelo conflito gerado com o surgimento das posses que levariam os homens a um estado conflituoso (Rousseau).
Os direitos naturais seriam os direitos individuais aos quais os homens teriam as garantias: à vida, aos bens e à liberdade. Esses componentes estão enraizados nas cartas constitucionais dos estados democráticos de direito na nossa contemporaneidade.
Os jusnaturalistas tinham visões diferenciadas do estado de natureza. Hobbes enxergava esse estado como um estágio contínuo de conflitos e de falta total de segurança onde a única esperança de controlá-los seria a submissão dos indivíduos a um poder soberano absoluto para a garantia da paz e do arrefecimento do medo da morte violenta. Já Locke via o estado de natureza como um estágio de certa harmonia onde esta condição seria interrompida caso a racionalidade não fosse respeitada. Como, para ele, a irracionalidade era algo inerente a alguns homens sem virtude, isto levaria a ameaça da propriedade privada – esta existente mesmo sem a presença do estado político e/ou civil. Dessa forma, só haveria garantia da segurança individual através de um contrato social por consentimento dos cidadãos para a resolução dos inconvenientes encontrados no estado de natureza.
Já Rousseau, tinha uma visão idílica do estado de natureza, onde o homem vivia num dado momento histórico (passado primitivo), uma realidade de paz e ordenamento que fora quebrada com o surgimento da propriedade privada. Portanto, para pôr termo aos conflitos gerados com o surgimento da propriedade, um contrato social entre cidadãos iguais em direitos seria firmado para a mínima condição de controle social na sociedade surgida com a modernidade.
Percebe-se claramente a preocupação dos jusnaturalistas em defender os direitos naturais do homem. Direitos esses que se tornaram universais pelas declarações de defesa dos direitos humanos. Seriam os direitos de primeira geração, ou seja, os direitos básicos de cidadania, antes mesmo dos direitos políticos e sociais. O direito à vida, à liberdade, aos bens possuídos através do trabalho e a livre busca pela felicidade individual deveriam ser garantidas e respeitadas pelo estado.
Lesar o direito individual à defesa de sua liberdade, o devido processo legal no caso de acusação de um crime, por exemplo, é uma afronta à democracia. Portanto, o STF precisa levar isso em conta antes de afirmar que está agindo para a garantia da democracia. Não há democracia sem liberdades individuais.
José Maria Nóbrega, cientista político e professor universitário