OPINIÃO

E o país segue acreditando em muita coisa, vítima de um comprometimento cognitivo global

Tem muita coisa "fácil" de acreditar, como o estímulo ao uso de armas para promover a paz, elogio a tortura pelo bem da democracia, questionamento sobre a lisura das eleições para aceitar o resultado, emenda secreta para tornar a distribuição de verbas impessoal, igualitária e justa, em respeito aos impostos pagos pelo contribuinte.

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 06/05/2022 às 12:23
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Claro que a presença de religiosos em reuniões oficiais do ministério tem relação com a necessidade de orações para que tudo corra bem, no melhor interesse da educação.
Ninguém duvida de que a devolução de bilhões aos cofres públicos por parte de investigados por corrupção foi um ato de caridade, parte da política de redistribuição de renda, uma questão de consciência do papel social e um exemplo para que o cidadão comum entenda de uma vez por todas que engolir a bola é apenas ser craque no futebol.
É preciso entender que o processo de maior visibilidade do país, transmitido ao vivo pela televisão, analisado com as maiores lupas, julgado, condenado, recorrido a instância superior com nova condenação e só depois do cumprimento da pena se perceba que estava tudo errado desde o início, é normal.
Todo mundo sabe que decretar cem anos de segredo reflete apenas otimismo com a longevidade, esperando estar à disposição para debater as fofocas de interesse da nação na hora certa.
Está na cara que renúncia de mandato é uma questão de foro íntimo, uma satisfação às centenas de milhares de eleitores que escolhem certa espécie de gente para os representar, para que prestem mais atenção na próxima eleição. É a chamada renúncia didática e ninguém imagina que o real motivo seria escapar da inelegibilidade.
Tem muita coisa “fácil” de acreditar, como o estímulo ao uso de armas para promover a paz, elogio a tortura pelo bem da democracia, questionamento sobre a lisura das eleições para aceitar o resultado, emenda secreta para tornar a distribuição de verbas impessoal, igualitária e justa, em respeito aos impostos pagos pelo contribuinte.
É óbvio também que a propaganda eleitoral é feita com sobras orçamentárias, afinal escolas públicas de qualidade estão espalhadas de norte a sul. Pena que os alunos não aproveitem e, muitas vezes, prefiram fazer o primeiro estágio em unidades de recuperação de menores onde aprendem o estilo de vida que adotarão. A partir daí é com a polícia e com pactos que pretendem desativar bombas depois da explosão.
E o país segue acreditando em muita coisa, vítima de um comprometimento cognitivo global. Caminha sem foco, discutindo se deputado fica melhor com ou sem tornozeleira, com ou sem graça. Em compensação ninguém mais acredita que o gasto supérfluo e o dinheiro da roubalheira serão destinados, um dia, às bancas escolares e a um futuro melhor.

Sérgio Gondim, médico

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