OPINIÃO

HOMESCHOOLING O bolonarismo não tem nenhuma preocupação educativa

Isolado, "uberizado", com um olho fixo no aplicativo que o contratará para algumas aulas numa residência, sem direitos, sem contato, sem sindicato... O HOMESCHOOLING produzirá o UBERTEACHER!

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 24/05/2022 às 11:35 | Atualizado em 24/05/2022 às 11:50
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O tema do HOMESCHOOLING volta à luz, agora dando um passo à frente: sua aprovação pelo Congresso Nacional. Já tive a oportunidade de discuti-lo aqui no JC quando ele era apenas um tema educativo residual. Agora não é mais e faz parte de uma estratégia ideológica de longo prazo: “privatizar” a educação (num novo sentido), quer dizer, retirar a “escolaridade” (que não terá mais sentido diante da “domesticidade”) da esfera pública e obrigatória, comum e necessária a todos, desobrigando o Estado desse direito previsto na Constituição; impedindo muitas crianças de terem uma experiência de formação subjetiva – a experiência escolar- onde, no confronto com os outros, crianças e adultos, formamos nossa singularidade (que só se forma no confronto intersubjetivo) e, não menos importante, modificando completamente o estatuto do professor, que sai da esfera da “educação”, logo, enquanto agente realizador de um direito, para a de um “prestador de serviço” privado: isolado, "uberizado", com um olho fixo no aplicativo que o contratará para algumas aulas numa residência, sem direitos, sem contato, sem sindicato... O HOMESCHOOLING produzirá o UBERTEACHER!
Nos EUA onde a idéia prosperou e de onde foi importada, o “homeschooling” esteve originalmente ligada a grupos de tradições culturais muito exclusivas, como os Amish (Pensilvânia) que resistem tenazmente aos valores e modo de vida da modernidade; ou grupos religiosos que vêem na escola um perigo cultural com sua porosidade ideológica às novas demandas da sociedade inclusiva (gênero, sexualidade, identidades, etnias, laicismo, novos pactos amorosos, dessacralização das instituições tradicionais...): no Brasil, irá atender aos interesses do bolsonarismo que não tem absolutamente nenhuma preocupação educativa! Mesmo com o aluno vinculado a uma escola regular, com pais escolarizados e exames realizados por instituições autorizadas, o “homescholling” é a primeira medida mais séria para a destruição da escola. Ora, o que se aprende em casa (lugar de relações afetivas e familiares) é do domínio do comportamento e da socialidade primária; o que se aprende na escola exige expertise profissional – que os pais não têm!- e é marcado por uma relação específica, a Pedagógica: na escola não aprendemos apenas Matemática e Português para atender aos desejos dos “mendoncinhas” de nosso pesadelo educativo: na escola fazemos uma TRAVESSIA, que vai da esfera familiar afetual para a das relações sociais normatizadas e entramos no Mundo. E não é papai ou mamãe que o fará, mesmo com a ajuda de um UBERTEACHER. É o prenúncio do fim dos sistemas nacionais de ensino, época em que acreditávamos na educação escolar como meio de “libertação”. Essa época está terminada!

Flávio Brayner , professor Emérito da UFPE

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